Título: Mais uma bolha estourada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2007, Notas & Informações, p. A3
Com mais de US$ 150 bilhões de reservas, superávit comercial acima de US$ 40 bilhões e inflação em torno de 4%, o Brasil nunca esteve tão preparado, nos últimos 25 anos, para enfrentar uma turbulência financeira internacional. Quanto a isso têm razão o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A bolsa de valores e o mercado cambial têm acusado os choques provenientes dos grandes centros do mundo rico. Mas a instabilidade, por enquanto, parece contida nos limites do mercado financeiro, sem grande efeito na maior parte dos setores produtivos, tanto no Brasil como no exterior. Mas é cedo para uma avaliação segura dos perigos, porque ainda não se conhece a extensão dos problemas surgidos no mercado norte-americano de hipotecas imobiliárias.
O Banco Central Europeu (BCE) lançou no mercado o equivalente a US$ 130,6 bilhões já na quinta-feira, logo depois de o Banco BNP Paribas anunciar a suspensão de resgates de três fundos. No dia seguinte liberou mais dinheiro, em montante correspondente a US$ 84,06 bilhões, para dar fôlego ao sistema bancário. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) agiu com rapidez, oferecendo ao mercado US$ 24 bilhões na quinta-feira. Na sexta, no meio da tarde, já havia liberado mais US$ 35 bilhões para desafogar as instituições mais pressionadas. As autoridades monetárias do Canadá e do Japão também realizaram operações de socorro.
Os grandes bancos centrais agiram, até agora, como se cuidassem de uma turbulência forte mas limitada. Numa entrevista ao jornal Ouest France o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, referiu-se à confirmação do ¿robusto crescimento econômico¿ previsto para a União Européia alguns meses antes. Na mesma entrevista, ele se referiu à conveniência de manter a estabilidade de preços para garantir uma expansão duradoura da produção e do emprego.
Nos Estados Unidos, o Comitê de Mercado Aberto do Fed havia resolvido, na terça-feira, manter os juros básicos em 5,25%, confirmando a expectativa dominante no mercado. Em comunicado oficial, no mesmo dia, o comitê apontou como preocupação principal as pressões inflacionárias. A grande dúvida, agora, é se os dirigentes do Fed continuarão evitando a redução da taxa, na próxima reunião, assumindo o risco de um esfriamento da atividade econômica.
O risco está longe de ser desprezível. O estouro da bolha imobiliária assinala dificuldades financeiras para grande número de famílias americanas. Tendo perdido uma parte de sua riqueza, com a desvalorização dos imóveis, essas famílias tenderão a reduzir os gastos de consumo. Além disso, a indústria da construção tem um papel importante na movimentação de outros setores, pela demanda de aço, alumínio, vidro, plásticos, tecidos, cimento, material elétrico, móveis e assim por diante. O problema, portanto, não é apenas financeiro.
O esfriamento da economia americana seria uma notícia ruim para todo o mundo. Há alguns anos, no entanto, seria muito mais grave do que hoje. Em 2007, a economia global não é movida só pelos Estados Unidos. A União Européia voltou a mostrar dinamismo, depois de anos de marasmo, e o Japão retomou o crescimento. China, Índia e outras economias do Oriente continuam vigorosas. O enfraquecimento da maior potência econômica, os Estados Unidos, fará diferença, mas seu efeito será atenuado, se a demanda continuar a crescer noutros grandes mercados.
Não há dados suficientes, por enquanto, para uma avaliação mais segura do cenário, da evolução provável da economia americana e de seus reflexos nos mercados globais. Nem mesmo é possível avaliar, por enquanto, a extensão da crise atual. Na sexta-feira, os principais mercados financeiros oscilaram aparentemente sem rumo, e no fim da tarde havia sinais de alguma recuperação na Bolsa de Nova York. Impossível dizer com um mínimo de segurança como ficarão as cotações a partir de segunda-feira.
Mas o estouro de mais uma bolha, sejam quais forem seus efeitos imediatos, é um sinal importante. A prosperidade mundial tem sido em boa parte associada ao desequilíbrio externo dos Estados Unidos e ao excesso de dinheiro nos mercados. Ninguém sabe quando virá nem como será a correção, e o maior desafio é encontrar o caminho para um ajuste suave.