Título: Escola pública que se sai bem no Enem aprova mais na USP
Autor: Cafardo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2007, Vida &, p. A34

Secretaria da Educação estuda transformar melhores unidades em `tutoras¿ das piores.

Escolas públicas cujos alunos se saem bem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também têm destaque no vestibular da Fuvest, o maior e mais concorrido do País. A lista inédita com o número de estudantes aprovados neste ano por escola estadual na Universidade de São Paulo (USP) foi obtida com exclusividade pelo Estado, que elaborou um ranking com as melhores da capital. Seis colégios que estão entre os dez mais bem colocados no Enem são também os que mais tiveram alunos matriculados na USP.

Neste ano, 1.511 alunos de escolas estaduais de São Paulo foram aprovados na Fuvest - o número não leva em consideração as escolas técnicas ou federais. Cerca de 50% ou 766 estudantes fizeram o ensino médio na capital. E 83 deles estudaram nas escolas que mais se destacaram no Enem.

A lista mostra ainda que as escolas no topo dos dois rankings estão, em sua maioria, em bairros longe da periferia. A Escola Estadual Andrônico de Mello, primeira em aprovação na USP, fica perto do Butantã. A Rui Bloem, campeã no Enem, está na região da Saúde. Há ainda escolas no Itaim Bibi, Vila Nova Conceição e no Tatuapé.

A secretária do Estado da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, pensa em criar um projeto em que escolas melhores possam funcionar como uma espécie de tutoras de outras com pior desempenho. ¿Os professores das duas poderiam discutir estratégias de aprendizagem, o que funciona e o que não funciona.¿

Maria Helena foi uma das criadoras do Enem, em 1998, no Ministério da Educação (MEC). Ela acredita que a coincidência de escolas nos dois rankings pode ser explicada pelas mudanças na prova da Fuvest nos últimos anos. ¿Ela se aproximou do Enem¿, afirma. Quando surgiu, o Enem foi considerado um exame inovador por cobrar competências e habilidades, em vez dos conteúdos das disciplinas.

São mais de 20 as habilidades exigidas dos alunos na prova do MEC, que neste ano será no dia 26. Uma das habilidades é a compreensão do papel da água, por exemplo, que se insere na competência chamada de fenômenos da natureza e não em disciplinas como geografia ou biologia. Quando foi criada, a idéia era usar a prova como um indicador das mudanças que deveriam ocorrer nas escolas.

O resultado do Enem hoje é usado para compor a nota em centenas de vestibulares e o exame tem a participação maciça (apesar de não obrigatória) de estudantes que concluem o ensino médio - neste ano, serão 3,5 milhões em todo o País. O sucesso da prova acabou influenciando a Fuvest, que tem exigido cada vez menos memorização, como fórmulas e datas. Em 2006, a entidade incluiu 10% de perguntas interdisciplinares na prova. A USP foi procurada, mas informou que não daria entrevistas porque não havia divulgado oficialmente a lista à qual o Estado teve acesso.

A proximidade dos dois resultados, no entanto, não faz com que especialistas acreditem que o Enem poderia substituir o vestibular. ¿Ele não foi pensado para ser um filtro, o objetivo é o de que todos tirem boas notas¿, diz o educador da USP, Nilson Machado, especialista na avaliação.

EXCEÇÕES

Apesar das coincidências, há escolas que se destacam em apenas um dos rankings. É o caso da Escola Estadual Clemente Quaglio, na Vila Oratório, zona leste, que é a sexta entre as melhores do Enem, mas não aprovou nenhum aluno na Fuvest neste ano. Por outro lado, a Brasílio Machado, escola estadual tradicional da Vila Mariana, que formou o músico Edgard Scandurra, teve 16 alunos matriculados na USP e não aparece no ranking das dez melhores do Enem.

Segundo o estudante da escola Rafael Cunha Carnier, de 18 anos, os professores costumam se preocupar com o vestibular nas aulas do ensino médio.

¿Eles usam exercícios da Fuvest e comentam sobre as atualidades que devem cair no exame¿, diz. A vice-diretora, Adriana Aparecida Barbedo Moreno, no entanto, afirma que há também uma preparação para o Enem. O colégio teve nota 45,09 - numa escala de 0 a 100 - no exame. O desempenho, apesar de não a colocar entre as dez primeiras, está próximo do das que fazem parte do ranking.

¿Apesar de a minha escola ser melhor que outras, percebi que cheguei despreparado na USP. Os outros alunos são fluentes em inglês¿, diz Weder Castilho, de 19 anos, que estudou na Andrônico de Mello, escola que aprovou 20 alunos na instituição. Ele é um dos oito estudantes de escolas estaduais da capital que entraram na Escola Politécnica. A maior parte ingressou em cursos da área de humanas (leia texto ao lado).

Segundo a diretora da escola Escola Estadual Manuel Ciridião Buarque, na Lapa, Sônia Maria Boarin, grande parte de seus alunos é formada por filhos da classe média. O colégio teve 15 estudantes aprovados na Fuvest e ficou em segundo lugar no ranking do Enem.

¿Os professores sempre falavam sobre vestibular e nos incentivavam a tentar¿, diz Everson Raphael Watanabe, de 19 anos, que estudou na escola e hoje cursa Odontologia na USP. Segundo Sonia, outro fator importante é a estrutura da escola, que tem biblioteca, laboratórios equipados e quadras.

Este ano foi o primeiro em que a USP adotou um programa de inclusão que deu bônus nas provas da Fuvest a alunos de escolas públicas. Foram aprovados 2.719 alunos que cursaram ensino médio em escolas estaduais, municipais, técnicas e federais do País. Eles representam 26,7% dos ingressantes deste ano na instituição.