Título: CPMF - debate sem foco
Autor: Velloso, Raul
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2007, Economia, p. B2

O tema 'quente' do momento é a prorrogação da CPMF. É provável, contudo, que o debate em torno do assunto esteja sem foco. Pretendo discutir o assunto neste espaço em duas partes, hoje e no próximo dia 4.

Por um lado, o governo quer prorrogar a CPMF pelo restante do mandato. Do outro, parte da oposição e de representações empresariais rejeitam o tributo in totum. A população que participa do debate é obviamente contrária à prorrogação da CPMF, como de resto se manifestará contrariamente a qualquer imposto. A CPMF tem o fator agravante de ser pouco transparente, entre outros problemas.

Em adição, atribui-se a setores do PSDB a idéia de reduzir a alíquota imediatamente de 0,38% para 0,2%, e depois repartir sua receita com os Estados e municípios. Ou seja, trata-se de retirar parte da receita da União e dar mais dinheiro para as administrações regionais gastarem. Falta só 'combinar com os russos'. Por sua vez, defensores do tributo temem que o setor de saúde fique ainda mais 'quebrado' com a extinção da CPMF, pois essa é sua principal fonte de recursos públicos.

Imaginar que qualquer governo vá abrir mão, sem mais nem menos, de um tributo que arrecada de forma relativamente tranqüila R$ 36 bilhões por ano (ou 1,4% do PIB), nas condições fiscais precárias do Brasil, é acreditar em Papai Noel. Principalmente se o momento da disputa coincide com a eclosão de uma crise externa de peso, como a atual. O governo vai, sim, lutar até a última gota junto à sua base de sustentação para prorrogar a vigência do tributo.

Na verdade, na raiz do problema está o forte crescimento dos gastos correntes não financeiros do setor público brasileiro. (Na discussão, deve-se deixar a despesa de juros de lado, porque a taxa de juros observada quase não depende diretamente de uma decisão tomada nos gabinetes financeiros de Brasília. Ela decorre de tudo o mais que opera no governo e na economia.)

O problema está no elevado crescimento das despesas com previdência, pessoal, assistência social, saúde, etc., que depende de decisões tomadas por todos os Poderes da República: Executivo, Congresso e Legislativo. Não que esses itens devam deixar de merecer atenção especial dos representantes do povo. O problema é que um crescimento descontrolado do total desses gastos leva, necessariamente, a um aumento desproporcional da carga tributária, principalmente quando se tem um complexo problema de endividamento público por administrar (que exige parte relevante da receita ser destinada ao pagamento do serviço da dívida). Aqui, sim, deveríamos estar jogando o foco da discussão.

Assim, o Executivo tem sua parcela de culpa no cartório não tanto por querer prorrogar a CPMF, pois há poucas formas razoáveis de cobrar R$ 36 bilhões de receita adicional, em cima do anárquico sistema tributário nacional. Já pensaram sobre o que ocorreria com as alíquotas da tributação sobre o consumo, que o governo pretende fundir na reforma tributária, se, em cima das bases irmãs do IPI, Cide, PIS/Cofins e ICMS, fosse necessário gerar R$ 36 bilhões adicionais de receita tributária?

O problema está na falta de aptidão dos Poderes da República de entender que o Brasil não pode mais conviver com essa situação de gastos correntes não financeiros crescendo acima do PIB todos os anos. Enquanto as taxas de juros não puderem cair mais e tendo esgotado o ajuste fiscal pela redução dos investimentos, só resta aumentar a carga tributária.

Falta entender que carga tributária crescente para aumentar gastos públicos com transferências a pessoas (estratégia em vigor desde a promulgação da Constituição de 1988) significa menor poupança privada e, conseqüentemente, menor investimento local e menor crescimento da economia e do emprego. Pasmem, é a opção pelo não crescimento.

Claro, a perspectiva de as taxas de juros internas continuarem caindo um pouco mais nos próximos anos pelo efeito China, mesmo com a crise que vivemos no momento, abre espaço para a redução da carga tributária. Mas o que fazer com os gargalos de infra-estrutura, esse, sim, o setor mais prejudicado com as medidas de ajuste fiscal dos últimos anos? A conta só fecha se conseguirmos controlar os gastos correntes.