Título: Para Delfim, crise levará a punições e fusões de bancos
Autor: Xavier, Luciana e Rocha Filho, Milton F. da
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2007, Economia, p. B3

Ex-ministro também diz que não vê razão para o Fed reduzir os juros

A crise no mercado imobiliário americano de segunda linha (subprime) deverá levar a punições e fusões de bancos, disse ontem o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Antônio Delfim Netto. Para ele, a lei americana Sarbanes-Oxley, que reduz o risco de fraude contábil, deverá ser muito dura com os administradores dos títulos lastreados nessas hipotecas.

Segundo Delfim, as manobras dos bancos podem ter levado à crise. 'Suspeito que boa parte da alavancagem desses mercados foi feita pelos próprios bancos por meio de organismos paralelos, os conduits (intermediários). É uma coisa mágica: você transforma a porcaria do subprime em AAA. De forma que o cidadão não sabe o que está comprando direito. O tamanho dessa patifaria contábil ainda não é conhecido, mas suspeito que seja grande.'

A nota AAA é dada pelas agências de classificação de risco e significa baixo risco ou grau de investimento. Os títulos lastreados em hipotecas do subprime eram de alto risco, mas tinham o triplo A.

'Uma coisa é certa: não vai haver piedade pelos portadores desses papéis. Os bancos vão acabar manobrando e os que cometeram imprudência vão ser fundidos a outros bancos, mas seus administradores não vão se livrar das punições, principalmente nos Estados Unidos', disse. 'Quem vai pagar, no final - e deve pagar porque aplicou mal - são os que compraram os papéis.'

Para Delfim, a festa dos bancos - lucros e crescimento recordes nos últimos quatro anos - só vai terminar com o Basiléia 2. O Basiléia 2, ainda em elaboração, conterá regras para proteger os bancos de crises.

Segundo Delfim, a crise atual nada tem a ver com a da moratória do México, em 1982, a chamada crise da dívida externa, por ter levado a uma crise de liquidez toda América Latina. 'Hoje, a crise é de crédito do setor privado, não tem crédito soberano envolvido nisso', disse.

JUROS MANTIDOS

O ex-ministro disse não ver motivo para o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) cortar os juros em setembro, aposta que ganha força nos mercados. Os Fed Funds estão em 5,25% desde junho de 2006. 'Os bancos estão desesperados para que (Ben) Bernanke (presidente do Fed) reduza os juros. Mas o Fed não é o Banco Central do Brasil. Não é para atender aos bancos que vai mexer nos juros. E não me parece que haja razão para isso', avaliou.

Para Delfim, a economia dos EUA deve continuar desacelerando, mas não a ponto de beirar a recessão. Delfim acredita que o Fed já fez o que tinha a fazer para acalmar os investidores ao reduzir a taxa de redesconto de 6,25% para 5,75%.

Segundo o ex-ministro, isso foi 'um jogo para tranqüilizar todo mundo'. Por isso, ele acha que foi positivo quatro grandes bancos - Citi, JP Morgan, Bank of America e Wachovia - terem usado o redesconto do Fed, na semana passada, alegando que serviria para assumir o papel de liderança e estimular outros bancos a fazerem o mesmo. Até então, havia um grande estigma em torno do uso do redesconto. 'Se os grandes não recorressem, nenhum pequeno ousaria fazer isso.'

A redução da taxa de redesconto e a atuação dos vários BCs, que injetaram recursos no mercado aberto nos dias mais nervosos da crise, como o Fed, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão, devem ajudar a manter mais calmos os investidores.

'Os BCs usaram a mesma solução utilizada por Greenspan (Alan Greenspan, ex-presidente do Fed) em 1998, quando quebrou a Long Term Capital (LTCM). É uma teoria muito simples: abre o guichê e vem que tem', comentou. 'Foi correto os BCs acalmarem o movimento (de nervosismo)', acrescentou. Para ele, sem a atuação dos BCs, as dúvidas dos investidores poderiam ter produzido uma 'catástrofe mundial'.

FRASES

'Suspeito que boa parte da alavancagem desses mercados foi feita pelos próprios bancos por meio de organismos paralelos, os conduits (intermediários).

É uma coisa mágica: você transforma a porcaria do subprime em AAA. De forma que o cidadão não sabe o que está comprando direito. O tamanho dessa patifaria contábil ainda não é conhecido, mas suspeito que seja grande'

Antônio Delfim Neto Economista e ex-ministro