Título: Acordo secreto resgata a Daslu
Autor: Cançado, Patrícia e Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2007, Negócio, p. B16

Fundo de investimentos aplica R$ 20 milhões no auge da crise e pode virar dono da empresa

Depois de quase dois anos com estoque de importados totalmente desfalcado, a operação da Daslu está voltando finalmente ao normal. A última loja estrangeira que faltava, a italiana Prada, foi reaberta na semana passada com um movimento que há tempos não se via. A reação da butique de Eliana Tranchesi tem uma razão: um empréstimo de R$ 20 milhões, que pode ser convertido em quase 80% das ações da Daslu, segundo fontes ligadas à empresa. Em tese, a empresa agora pode ter um novo dono.

O aporte de capital veio de um fundo de investimentos - cujo nome é mantido em sigilo - representado na Daslu pelo escritório de advocacia Machado Meyer. O fundo entrou na butique em abril deste ano e pode exercer a opção de compra das ações a qualquer momento, independentemente do valor da empresa. O investidor, trazido pela própria Eliana, disputou o negócio com outro fundo, que daria à empresária um papel menor na empresa.

Na ocasião, a Daslu estava numa situação crítica: além da multa milionária por sonegação fiscal, suas dívidas se agravavam por conta da reestruturação feita no ano anterior e a empresa não tinha capital de giro para comprar peças importadas, responsáveis por quase metade do seu faturamento em anos normais.

A reabertura da Prada é simbólica. Em outros tempos, ela não seria possível. Para voltar a vender para Eliana, a grife exigiu 30% do pagamento das compras à vista. O diretor -financeiro da Daslu, Hayrton de Campos, confirma o aporte de capital de investidores, mas não revela os valores nem os termos do acordo. O dinheiro, segundo ele, foi usado para comprar peças importadas e pagar parte das dívidas.

'A outra parte da dívida foi alongada e está sendo paga com o caixa da butique. Conseguimos baixar também as taxas de juros', diz Campos. De acordo com o executivo, as despesas financeiras caíram praticamente pela metade - atualmente, entre 4% e 5% da receita vão para o pagamento de juros e dos empréstimos. 'Até o fim do ano, a meta é chegar a 3%.' A previsão de faturamento para o ano é de R$ 250 milhões.

CHAMPAGNE

Campos prevê que o caixa da Daslu ficará sob controle a partir do próximo ano. 'Ainda estamos sofrendo os efeitos da reestruturação. Cortar custos dá despesa', diz. Nos tempos áureos, a Daslu chegou a ter 1.100 funcionários. Em janeiro, esse número caiu para 500 e agora está em 600.

Para Eliana, quanto mais funcionários servindo e paparicando suas clientes, melhor. Mas a empresária foi vencida. Os novos administradores passaram a tesoura em todos os excessos, desde as contas de água, luz e telefone ao cafezinho servido de graça na loja.

Os tempos de extravagância acabaram. As vendedoras, por exemplo, já não podem mais comprar com gordos descontos como antigamente. O Champagne Bar ainda existe, mas não serve a bebida no fim da tarde. 'Não dava para trocar por outra mais barata porque as clientes não iriam gostar', diz Campos. Os bares de café e água espalhados pela Daslu foram reduzidos de oito para três. 'Eliana não queria, mas a gente teve de segurar.'

Mesmo em crise, o condomínio gerava uma despesa mensal da ordem de R$ 600 mil. Agora, a conta fica em R$ 400 mil.Organizar as contas e cortar custos nunca foi um talento de Eliana. No passado, ela chegou a cogitar abrir uma loja de US$ 15 milhões nos Estados Unidos, plano que ainda é mantido. Os números, definitivamente, não são seu forte. A empresária fez fama porque sabe comprar e agradar clientes.

Os clientes fiéis são o grande trunfo da Daslu para dar a volta por cima e enfrentar a concorrência. Eles são poucos, mas compram muito - o valor médio de uma compra na butique é de R$ 1.600, mas uma freqüentadora assídua já chegou a gastar R$ 600 mil no ano.

Segundo Campos, 5% dos clientes ativos respondem por metade do faturamento da empresa. É um grupo de 1.400 pessoas. São eles também os maiores compradores de peças importadas.

Quando as grifes estrangeiras sumiram das prateleiras, o valor médio das compras caiu 40%. As clientes até iam à loja, mas levavam peças mais baratas, da marca própria da Daslu. As peças importadas, elas deixavam para comprar no exterior.

A reabertura da Prada serve de termômetro desse comportamento. No primeiro dia, 22% do estoque foi vendido, segundo o diretor- financeiro. Nesse dia, a Daslu vendeu duas vezes mais que o normal. Houve briga por bolsas de R$ 7 mil. As que sobraram nas prateleiras custam por volta de R$ 2 mil. E são as que mais têm logotipo, o que não atrai sobretudo quem tem dinheiro de verdade e não precisa mostrar isso ao mundo.

Pouco a pouco, a vida volta ao normal no mais famoso templo de luxo do País. A questão agora é saber se essa cliente permanecerá tão fiel quando a disputa pelo consumidor de luxo se acirrar.

CONCORRÊNCIA

Dentro de dois anos, a Daslu terá dois concorrentes de peso. Além do Shopping Cidade Jardim, onde Eliana terá uma versão reduzida da sua loja, ela terá de conviver lado a lado com um inimigo declarado: o Shopping Iguatemi. A Daslu será vizinha de um complexo de luxo que terá hotel cinco estrelas da bandeira Cipriani (original de Veneza), duas torres de escritório e um shopping voltado para o público de alta renda administrado pelo Iguatemi.

A proposta inicial da construtora WTorre, dona do terreno (que inclui também o espaço onde está a Daslu), era derrubar o muro da butique. Eliana não gostou da idéia.