Título: Islâmico vence eleição na Turquia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2007, Internacional, p. A17

O ex-chanceler Abdullah Gul é o primeiro político de partido religioso a ocupar a presidência do país laico

O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Abdullah Gul, tornou-se ontem o primeiro político com passado islâmico a ocupar a presidência da Turquia. A vitória de Gul pôs fim a quatro meses de uma intensa batalha política entre o partido governista Justiça e Desenvolvimento (AKP, sigla em turco) e a elite secularista e o Exército, que defendiam o legado de Mustafá Ataturk - que separou Estado e religião ao fundar a república, em 1923.

Pela legislação turca, um presidente só é eleito se obtiver dois terços dos votos dos parlamentares. Se isso não acontecer nos dois primeiros turnos, a eleição vai a um terceiro, decidido apenas pela maioria simples. Foi o que aconteceu ontem. Gul foi eleito apenas na terceira votação, com 339 votos, 61% do total.

¿Como presidente da República, juro salvaguardar a existência e a independência do Estado¿, disse Gul durante o juramento de posse.

A eleição representou um importante triunfo para o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, do mesmo partido de Gul. ¿O próximo passo é unir os turcos e levar o país adiante¿, afirmou Erdogan, que espera exorcizar o estigma de que governantes de raízes islâmicas são incompatíveis com uma democracia liberal.

O embate entre secularistas e religiosos está no centro do impasse político turco. O AKP está no poder desde 2002, quando Erdogan foi eleito primeiro-ministro com um terço da votação. No sistema parlamentarista turco, porém, a presidência não é um cargo apenas decorativo. Pela Constituição, o presidente é também o chefe das Forças Armadas e tem a prerrogativa de escolher e expulsar generais. Um presidente de orientação islâmica poderia montar um oficialato religioso e transformar o Exército, que até então tem sido o guardião do Estado laico. O presidente também tem poder de vetar leis e nomear funcionários e juízes, o que é visto por secularistas como uma ameaça ao laicismo oficial do país.

O AKP, cuja base é formada pelos setores populares da sociedade turca, tradicionalmente fiéis ao islamismo, nunca deu sinais de que pretende dar uma guinada religiosa que ameace as instituições. Contra qualquer interferência da religião em assuntos de governo estão a elite turca, os juízes da Suprema Corte e principalmente o Exército. Os militares nunca hesitaram em colocar os tanques na rua para defender o secularismo - foram três golpes de Estado entre os anos 60 e 80, e algumas intervenções na década de 90.

DESAFIO EUROPEU

Além de ganhar a confiança dos grupos seculares, o grande desafio diplomático que aguarda o novo chefe de Estado turco é a entrada do país na União Européia. O governo turco pediu a adesão em 1987, mas os diplomatas europeus nunca admitiram sequer conversar sobre o assunto. Foi durante a gestão de Gul na chancelaria que a Turquia conseguiu abrir negociações sobre a adesão ao bloco, em 2005.

CRONOLOGIA

24/4: Premiê Recep Tayyip Erdogan, do governista AKP, indica o chanceler Abdullah Gul como candidato presidencial

27/4: Oposição boicota primeira votação no Parlamento, e militares alertam estar prontos para defender secularismo do país

30/4: Manifestação reúne 700 mil contra Estado islâmico

1/5: Corte Constitucional anula primeira votação por falta de quórum causado por boicote

3/5: Para resolver impasse, Parlamento aprova antecipar eleições gerais para 22 de julho

15/6: Presidente Ahmet Sezer anuncia que convocará referendo sobre eleição presidencial direta, após Parlamento aprovar medida por duas vezes consecutivas

15/7: Milhares saem às ruas em apoio a Erdogan e Gul

22/7: AKP derrota secularistas nas eleições gerais

13/8: AKP volta a indicar Gul como candidato à presidência

Ontem: Gul é eleito presidente