Título: O mundo não é só os Estados Unidos
Autor: Puliti, Paula e Pinheiro, Vinicius
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/08/2007, Economia, p. B10

Furlan vê crescimento na economia japonesa, recuperação na européia e uma certa onda de pessimismo no Brasil.

O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan não vê razões para pessimismo com o futuro do País, mesmo com a turbulência dos mercados financeiros. Em sua primeira entrevista após a quarentena imposta a ex-membros do governo, disse que não vê nenhum problema com a queda no ritmo de crescimento do superávit comercial. Acionista da Sadia, ele acredita que os preços das commodities vão continuar muito acima das médias históricas. Um dos fundadores do Green Fund, empresa da área de etanol, Furlan respondeu a todas as perguntas, mas não quis revelar quem são seus sócios. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

A economia brasileira está preparada para sair sem grandes traumas da turbulência?

Não dá para ficar perdendo o rumo maior porque chacoalhou aqui ou ali. A economia brasileira está preparada para a turbulência, e acho que temos de olhar o futuro com otimismo. Desde 2006 e 2007, você tem concretamente o mercado interno sendo o motor da economia.

O que diferencia a turbulência atual de crises anteriores?

Neste momento, por força dos investimentos feitos na exploração de petróleo, nos biocombustíveis e nos flex fuel, o Brasil está tirando vantagens da crise do petróleo. O crédito imobiliário no Brasil está dando seus primeiros passos. Os preços dos materiais de construção estão razoavelmente estáveis e também não dependem de importação. O Brasil hoje exporta 15% a 16% do total para os Estados Unidos. Antigamente essa participação era de 25%. O grande motor da demanda mundial é a China. Há alguma indicação de que essa crise vai afetar dramaticamente a China?

O sr. responde...

Poderia, porque os chineses têm no mercado americano o grande desaguador de produtos. Mas a economia japonesa está crescendo, a européia está se recuperando. O mundo não é só os Estados Unidos. Acho que estamos dando um espaço exagerado, quase como querendo uma onda de pessimismo no Brasil.

O sr. acha, então, que se trata apenas de uma turbulência do mercado financeiro?

Ninguém sabe o que vai acontecer. Claro que você precisa ter precauções. Mas os mercados têm sempre os componentes racionais e emocionais. E, de repente, estamos estimulando violentamente o componente emocional, colocando as pessoas em atenção.

Isso não bate aqui?

Que eu saiba, os bancos brasileiros não estão alavancados nessa área. E têm tido um processo de capitalização e de lucratividade como nunca tiveram na história, não só os bancos, mas também as indústrias.

Mas os preços das commodities estão caindo, e nossa balança está alavancada nelas...

Olhe os gráficos. A gente tem sempre essa mania instantânea. É só ver os gráficos de cinco, dez, vinte anos para ver que as commodities estão com preços elevados em relação às médias históricas. Se a demanda por combustíveis limpos na Europa, nos Estados Unidos e no Japão continuar crescendo favorecerá o Brasil, porque vamos ter um ciclo elevado de commodities do agronegócio.

O preço das commodities vai ficar acima das médias históricas?

Muito acima. E o Brasil, nesse caso, fica menos afetado, porque aqui custos internos são muito menos afetados pelos preços internacionais.

O presidente do BNDES admitiu que um agravamento da crise pode afetar os exportadores ...

Claro que pode. Até eu, em 2004, 2005, falava que poderia haver uma queda na velocidade de crescimento das exportações. Falei que não dava para sustentar 30% de crescimento ao ano. E agora está em 15%. E se cair para 10%? Ainda assim é acima da média mundial. O que nós temos é de crescer acima da média mundial.

O mercado interno tem condição de suprir uma eventual redução do ritmo das vendas externas?

Na grande maioria dos setores, sim. E há outros setores em que a exportação não vai cair, como soja e carnes.

E os manufaturados, que são os mais prejudicados pelo câmbio?

É preciso olhar os dois campos, o do mercado externo e o do mercado interno. Nos setores automotivo e de autopeças, uma eventual queda de exportações não tem efeito de queda de produção e de investimento. Há segmentos, como na área eletrônica, que são beneficiados pela aquisição de componentes importados mais baratos, mas sofrem com a concorrência do produto acabado. E tem a questão de explorar mais determinados fatores que hoje favorecem a aquisição de produtos, como certificação ambiental. Vemos a China tendo problemas de transgressão de padrões.

Muitos empresários defendem é uma atuação maior do governo no câmbio. O que o sr. acha?

Nenhum setor deu uma sugestão concreta que possa melhorar o câmbio sem abandonar o câmbio flutuante, que eu acho que tem de continuar mesmo.

Os investimentos diretos estrangeiros vão continuar?

Em áreas em que o Brasil pode competir mundialmente. Há investimentos nas áreas de café solúvel, de laticínios, de metais e espaço grande em serviços.

O que o se deveria fazer para aumentar a competitividade da economia brasileira?

Um grande mutirão no campo da logística, que envolva portos, aeroportos, ferrovias.

Mas o governo lançou o PAC...

É um programa arrojado, bem elaborado. Eu estava lá. Mas estamos no terceiro trimestre, o Congresso teve tempo para analisar, mas há medidas do PAC que praticamente nenhuma empresa até agora exerceu, porque alguém colocou uma frasezinha lá `projetos aprovados¿. Aí teve de fazer uma regulamentação e estamos no terceiro trimestre do ano e aquele benefício previsto não teve o efeito desejado.

Como o sr. avalia a sua experiência de 51 meses no governo Lula?

Muito positiva. O espaço de confiança e autonomia dado pelo presidente foi muito amplo. A possibilidade de compor uma equipe com gente do setor privado e várias áreas do setor público, além dos técnicos do ministério, também foi uma experiência muito boa.

O que espera para o segundo mandato de Lula?

O que a gente nota é que há um baixo comprometimento com metas orçamentárias. Isso precisa melhorar.

Se as coisas vão bem, de onde vem o descontentamento das pessoas que criaram o movimento ¿Cansei¿?

Para começar, esse descontentamento está descasado de resultados econômicos, basta olhar as pessoas que se manifestaram e os balanços das suas empresas. Já o conjunto de reivindicações da campanha poderia ser apoiado por toda a sociedade.

É uma campanha contra o presidente?

Não acho. O presidente é a pessoa mais visível da nação. Há um cansaço em relação à ineficiência daquilo que o Estado deveria prover em troca dos tributos e que não chega ao cidadão comum.

De volta à iniciativa privada, quais são os seus planos?

Faço parte de um grupo chamado Green Fund, que atua na área de etanol e está desenvolvendo destilarias no Centro-Oeste para exportação. E sou investidor em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH).

O sr. volta para a Sadia?

Não neste ano.