Título: O dever de informar
Autor: Di Franco, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras enviou ao presidente da República e ao presidente do PT, Ricardo Berzoini, carta na qual manifesta preocupação com a resolução do partido, aprovada recentemente, de ¿convocar detentores de mandatos públicos à mobilização¿ contra o que consideram campanha ¿da direita e de setores da mídia¿ contra o PT e o governo.

A ONG classifica o documento do partido como ¿inoportuno e infundado¿. A manifestação da entidade, assinada por seu secretário-geral, Roberto Ménard, veio a público dois dias após a reunião da Executiva do PT na qual seus dirigentes denunciaram o que, em seu entender, é um ¿aproveitamento indevido¿ do acidente com o avião da TAM. Segundo Walter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT, há uma tentativa da oposição de rearticular ataques ao governo e ¿a grande imprensa¿ estaria abordando o acidente de acordo com os interesses da oposição.

Trecho da carta dirigida ao presidente da República diz que o documento do PT foi aprovado e divulgado poucos dias após cobertura, pela mídia, de protestos que se seguiram ao acidente com o avião da TAM e das vaias dirigidas a Lula na abertura dos Jogos Pan-Americanos. ¿Tais manifestações devem ser vistas como uma crítica sistemática às autoridades de Brasília? Deveria a imprensa se calar diante desses eventos, deixando-os passar de forma despercebida?¿, pergunta a organização internacional. O diretor do Escritório para as Américas da entidade, Benoit Hervieu, falando ao jornal O Estado de S. Paulo, foi ao cerne ético da questão: ¿Um país não pode se apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os problemas do País.¿

A informação não é um adereço. É o núcleo da missão da imprensa. O PT e o governo do presidente Lula manifestam crescente desconforto com aquilo que representa os pilares da democracia: a liberdade de imprensa e o direito à informação. Não admitem críticas. Só aceitam aplausos. Mas o mais espantoso, caros leitores, é que começam a ficar ouriçados com a simples exposição dos fatos. Investe-se, agora, não apenas contra a opinião, mas também contra a própria informação.

A incompetência do governo na gestão da crise aérea não é uma questão opinativa. É um fato. A recente declaração do presidente da República de que não sabia da gravidade dos problemas do setor, num esforço evidente de jogar a batata quente para outros escalões, está em perfeita sintonia com o seu modo de agir. A estratégia é sempre a mesma: ¿Eu não sabia¿, ¿fui traído.¿ Em meados de 2005, em meio à crise do mensalão, Lula afirmou que não sabia de nada e se disse traído. ¿Quero dizer a vocês, com toda a franqueza: me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia e que chocam o País.¿

O presidente da República conhecia perfeitamente a gravidade do problema aéreo. Basta lembrar, por exemplo, o minucioso relatório que o então ministro da Defesa, José Viegas, encaminhou à Presidência da República em 2003, alertando para as graves conseqüências que a falta de investimentos na segurança de vôo causaria. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) do Ministério da Aeronáutica, por outro lado, tem advertido o governo para a necessidade de maiores investimentos no sistema de controle do tráfego aéreo, principalmente para ¿operação, manutenção, desenvolvimento e modernização do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (Sisceab)¿.

Os relatórios, desde 2004, previram o caos nos principais aeroportos do País. Advertiram, reiteradamente, sobre ¿a diminuição do grau de confiabilidade e oportunidade na prestação de informações aeronáuticas e meteorológicas às aeronaves domésticas e internacionais que cruzam o espaço aéreo brasileiro¿ como algumas das conseqüências dos cortes de investimentos no sistema de controle do tráfego aéreo. Sobravam reclamações sobre a manutenção, sobretudo no que se refere ao Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), região onde aconteceu o choque entre o jato Legacy e um avião da Gol, há dez meses, provocando a morte de 154 pessoas. Foi naquela região, coincidentemente, que houve um recente blecaute elétrico que deixou às escuras o Centro Integrado de Defesa Aérea de Manaus (Cindacta-4).

Ademais, apesar de ter dito que passou as últimas campanhas eleitorais sem debater a crise aérea, alegando ter sido surpreendido pela dimensão do problema agora, o presidente Lula assinou artigo cujo título era Morte anunciada do transporte aéreo. O texto foi publicado em 7 de janeiro de 2002, no jornal Gazeta Mercantil. Para o então presidente de honra do PT e virtual candidato à sucessão de FHC, ¿a crise da aviação brasileira, que vem se arrastando há muitos anos, atinge um estado terminal, sem que se vislumbre uma solução no horizonte¿. De lá para cá, documentos e advertências se multiplicaram como cogumelos. O presidente da República, não obstante o alarido dos alarmes, nada fez. Só agora, após imenso desgaste e duas tragédias, nomeou um executivo para gerir a crise.

Não é correto, portanto, atribuir à imprensa uma ¿campanha contra o PT e o governo¿. Não tem sentido querer dar à exposição jornalística dos fatos qualquer viés antidemocrático. Afinal, Lula, nos seus 24 anos na oposição, foi o estilingue mais inclemente deste país. Sempre em nome da democracia. Agora, esquece o passado e vê ameaça à democracia em crítica ao governo. A mídia, no cumprimento rigoroso de sua missão de informar, continuará dizendo a verdade.

Goste ou não o presidente da República.