Título: Um desafio para a Fazenda
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2007, Natos & Informações, p. 0

O governo federal vai ter de intervir para apartar a briga entre os Estados, se estes não resolverem como liquidar a guerra fiscal. O aviso foi dado pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, no final de uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) com representantes de todas as Secretarias estaduais de finanças. A guerra envolve renúncias fiscais estimadas em R$ 25 bilhões por ano, mas esse não é todo o prejuízo. A guerra dos incentivos distorceu os critérios de investimentos, criou a expectativa de leilões bancados pelos Estados e tornou o sistema tributário nacional mais complexo e menos funcional.

Extinguir a guerra é um dos objetivos centrais de todos os projetos de reforma tributária apresentados nos últimos 15 anos. Governadores dos Estados mais pobres opuseram-se à idéia durante a maior parte desse tempo, mas a idéia parece ter hoje mais adeptos. Para pôr fim à disputa entre Estados, será preciso estabelecer uma data-limite para a concessão de benefícios. O Ministério da Fazenda convidou as autoridades estaduais a escolher essa data, mas não houve acordo na reunião de terça-feira. Se não houver um acerto até o próximo encontro, no dia 21, será incluído no projeto, como data de corte, o dia 6 de agosto, véspera da última reunião do Confaz.

O governo planeja mandar o novo projeto de reforma ao Congresso em setembro. O projeto é bem mais ambicioso do que o projeto anterior, em tramitação desde o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aprovado apenas em parte. O envolvimento dos Estados nessa proposta foi muito pequeno. A maior parte da mudança, muito limitada, ficou por conta do Tesouro Nacional.

O projeto agora em preparação no Ministério da Fazenda, sob orientação do secretário Bernard Appy, prevê mudanças mais amplas tanto nos tributos federais quanto nos estaduais. Deverá haver um imposto federal sobre o valor agregado (IVA) e um estadual.

O imposto federal deverá substituir a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a contribuição PIS-Pasep, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) também deverão ser unificados.

O imposto sobre valor agregado estadual substituirá o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e sua cobrança, hoje dividida entre origem e destino nas transações interestaduais, será deslocada para o Estado de destino.

Simples na aparência, esta última alteração poderá afetar de forma significativa a distribuição da receita tributária entre Estados, com prováveis perdas para os mais industrializados. Será necessário suavizar a mudança com um período de transição e compensações temporárias para os prejudicados.

A alteração da cobrança, com a incidência do imposto no destino, tornará muito mais difícil a guerra fiscal e simplificará as operações das empresas quando estas dependerem de insumos originários de outros Estados. Mas falta convencer os políticos, principalmente das áreas menos desenvolvidas, a apoiar a mudança. Muitos continuam defendendo a concessão de incentivos como instrumento de atração de investimentos. Dificilmente renunciarão a esse instrumento sem a garantia de maiores transferências federais a título de ajuda ao desenvolvimento.

Não basta, além disso, um acordo inicial sobre a data-limite para a concessão de incentivos. Se essa data for muito distante, haverá uma nova corrida para aprovação de benefícios a investidores. Além disso, será preciso estabelecer um limite de validade para as facilidades fiscais concedidas até essa data-limite. O governo paulista apresentou um esboço de acordo a respeito desses itens, com data de corte em 6 de junho e validade até dezembro de 2009, mas não houve unanimidade.

Levar os governos estaduais a um consenso a respeito de todos esses pontos será, provavelmente, o maior desafio para o governo federal, se estiver de fato empenhado em fazer uma reforma para valer. Até agora, o governo petista não enfrentou, desde o início do primeiro mandato, em 2003, nenhuma tarefa tão complicada politicamente. O Ministério da Fazenda precisará não só de habilidade negociadora, mas também de um firme apoio do presidente da República, para realizar com êxito essa tarefa.