Título: Ataque às agências
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Por enquanto, nenhuma autoridade deverá confirmar a informação de que, muito incomodado com a incompetência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), tornada pública pela tragédia do Airbus da TAM, o governo, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abandonará o discurso crítico e partirá para ações efetivas contra as agências reguladoras. Mas a informação, publicada pelo jornal Valor na quarta-feira, tem tudo para ser verídica.

O presidente, seu partido e os que o apóiam nunca aceitaram a autonomia das agências, tentando em vários momentos limitar essa autonomia e, quando não conseguiram asfixiá-las operacional e financeiramente, trataram de dominá-las com a indicação de quadros políticos para funções de natureza eminentemente técnica. O que aconteceu com a Anac - por culpa exclusiva de quem indicou seus diretores - é um exemplo eloqüente dos prejuízos que a política de aparelhamento do Estado, praticada com voracidade pelo atual governo e por seu partido, pode causar ao País.

Quatro de seus cinco diretores não dispunham de experiência na área de aviação civil nem dos atributos técnicos necessários para as funções, mas, indicados pelo Executivo, tiveram seus nomes aprovados pelo Senado. Não é de estranhar que, meses depois de instalado o caos aéreo no País e após dois trágicos acidentes, a Anac ainda esteja tentando identificar onde estão os principais problemas.

Espertamente, o governo usa o notório fracasso da Anac - pelo qual é o grande responsável - para atacá-la e às demais agências reguladoras. Felizmente para o País, o governo ainda não sabe o que fazer. Neste caso, como em outros, quando o governo age pode ser para piorar o que já está ruim.

Naturalmente, as vozes mais fortes são as que investem contra a autonomia das agências. ¿Quem nomeia tem de ter o poder de demitir¿, disse o presidente a um grupo de líderes partidários. ¿Não é possível que um presidente da República, eleito, que tem de prestar contas à população, tenha menos poder do que alguém que foi indicado para um mandato de cinco anos e não pode ser demitido¿, teria argumentado Lula, segundo o Valor, numa indicação de como está a discussão no governo.

Há quem defenda o fim, puro e simples, da autonomia das agências, que se transformariam em meros órgãos do Ministério de sua área de atuação, subordinadas, portanto, ao ministro, que teria o poder de nomear e demitir. Uma idéia mais sensata é criar um mecanismo que permita a troca de diretores das agências reguladoras em determinadas situações.

Essa possibilidade está sendo considerada pelo relator do projeto de lei das Agências Reguladoras na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). É preciso, diz o relator, encontrar uma fórmula que preserve a autonomia das agências sem que ela sirva de blindagem para a incompetência. O caso da atual diretoria da Anac lhe dá toda a razão.

Mas considerar apenas o caso da Anac para tomar decisões que afetam o funcionamento de todas as demais agências reguladoras pode ser perigoso para o País. As agências foram criadas na década passada como órgãos do Estado brasileiro, não do governo, para regular e fiscalizar a prestação de serviços públicos por empresas privadas, a fim de dar garantias aos investidores de que as regras serão observadas e assegurar ao usuário que os serviços serão prestados nas condições determinadas. A autonomia é essencial para que as agências desempenhem bem seu papel.

O governo do PT, mesmo sem mudar a legislação, vem reduzindo muito essa autonomia, por meio do preenchimento dos cargos nas diretorias de acordo com indicações de partidos e aliados políticos, o que as torna pouco eficientes. Também o contingenciamento de verbas reduz a capacidade de atuação das agências.

O problema, porém, não está na autonomia das agências nem no mandato fixo de seus diretores. Está, como mostra o caso da Anac, na sua manipulação pelo governo do PT. O que precisa mudar é o critério de indicação para as agências, estabelecendo-se que só podem fazer parte de suas diretorias pessoas que comprovem dispor de qualificação ética e técnica para o cargo.