Título: O decoro perdido no Senado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2007, Notas & Informações, p. A3

Dois meses atrás e um mês depois de espocar a revelação de que o lobista de uma empreiteira era quem pagava os débitos extraconjugais do presidente do Senado, Renan Calheiros, o senador Jarbas Vasconcelos proferiu em plenário as palavras mais devastadoras jamais ouvidas ali a respeito da própria instituição da qual ele faz parte. ¿O Senado não pode ficar nessa perplexidade em que se encontra, sob pena de se desmoralizar¿, disse ele repreendendo os seus pares pela leniência em tolerar que o suspeito de tamanha enormidade permanecesse aferrado à presidência da Casa enquanto não se esclarecesse a denúncia. E completou, sem rebuços: ¿O que não pode é o Senado ficar sangrando e, mais do que isso, fedendo. Essa situação está ficando insustentável.¿ Proféticas palavras.

Anteontem, é verdade, pareceu que a instituição iria se reabilitar. Suportando uma sucessão de golpes indecorosos desferidos por parlamentares e servidores paus-mandados de Calheiros, como o presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha, 10 dos 15 titulares desse Conselho tomaram uma decisão reparadora para a Casa. Resolveram que será aberta - e não secreta, como pretendiam os prepostos do político alagoano - a votação do parecer dos relatores Marisa Serrano e Renato Casagrande pela cassação do seu mandato. ¿Renan Calheiros¿, escreveram eles, ¿mentiu sobre sua capacidade de ter pago, com recursos que dizia possuir, suas obrigações pessoais. Jamais poderia ter colocado o Senado e o Congresso Nacional na situação em que hoje se encontram, vexados perante a opinião pública e desacreditados pela população.¿

Nas 73 páginas de seu relatório, eles relacionaram nada menos de oito motivos para cassá-lo: a relação ¿conflituosa¿ com o lobista Cláudio Gontijo, da Mendes Júnior; incongruências entre os pagamentos feitos e o patrimônio do senador; irregularidades fiscais nas vendas de gado que demonstrariam a posse de recursos para cobrir os seus débitos; omissão de contas bancárias; saques em dinheiro para custear despesas das suas fazendas, não a pensão para a sua ex-amante Mônica Veloso; alegado empréstimo de uma autolocadora não declarado à Receita; inverdade na omissão de informações sobre rendimentos. O ponto essencial é que Calheiros não conseguiu provar serem dele próprio os reais periodicamente entregues pelo lobista a Mônica, mas deixou os indícios gritantes apontados pelos relatores de haver mentido aos seus pares - o que costumam punir com a pena máxima da cassação.

Estaria tudo normal, não fosse o que se seguiu. Primeiro, com a óbvia intenção de adiar a votação do parecer, os renanzistas Wellington Salgado e Gilvan Borges pediram vistas do documento, mal se iniciara a sua leitura - com o que o texto só será votado na próxima quarta-feira. A chicana pelo menos serviu para se ver que o réu mudou de tática. Até há pouco, as suas manobras sugeriam que, dando por perdida a batalha preliminar, ele queria apressar a votação em plenário, por acreditar que seriam grandes ali as suas chances de absolvição. No entanto, com a renúncia do secretário-adjunto da Mesa, Marcos Santi, dias atrás, em protesto contra o ¿parecer encomendado¿ que obrigaria à votação secreta também no Conselho, o clima ficou carregado e Calheiros trocou a urgência pela protelação - além de voltar a pedir socorro ao presidente Lula.

Mas o que rebaixou o nível do Senado a ponto de justificar os termos contundentes empregados por Jarbas Vasconcelos, em fins de junho, foi o que aconteceu depois. Furioso porque não lhe foi permitido ler o seu solitário parecer pela absolvição do chefe, o seu senador-de-recados, Almeida Lima, envolveu-se num bate-boca de botequim com o colega Tasso Jereissati, do PSDB. Não se esbofetearam porque foram impedidos. Mas este chamou aquele de ¿palhaço¿ e ¿vendido¿. Quando Almeida Lima reagiu aos berros, Tasso respondeu, fazendo trejeitos afeminados: ¿Calma, boneca.¿ Outro senador, Arthur Virgílio, enriqueceu a cena de pastelão. Ao ouvir Lima dizer que queriam castrar-lhe o direito à palavra, saiu-se com esta: ¿Ninguém está querendo castrar Vossa Excelência, nem no direito à palavra nem de outro modo.¿ Como a novela Calheiros ainda vai longe, é quase certo que o Senado ainda não desceu ao fundo do poço.