Título: Foro privilegiado vira fator de risco para congressistas
Autor: Lopes, Eugênia e Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2007, Nacional, p. A10

Eles podem ser condenados no STF bem mais depressa do que na Justiça comum e não terão mais a quem recorrer

Avaliação é de que processo no caso do mensalão terá reflexos nas eleições do ano que vem

Pelo menos 19 deputados e quatro senadores respondem hoje a processo penal no Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima da Justiça, que tem competência constitucional para julgar parlamentares. Cinco desses deputados viraram réus durante o julgamento da denúncia do mensalão: José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Paulo Rocha (PT-PA), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP).

Os outros 14 deputados processados são alvos antigos e estão sendo investigados por delitos diversos, como estelionato, peculato, crime contra o sistema financeiro, falsificação de documento público, crime contra a ordem tributária, apropriação indébita de contribuições previdenciárias, crime contra o meio ambiente, crime de injúria e difamação, entre outros.

Na sessão de encerramento do julgamento do STF que decidiu abrir processo contra os 40 acusados de envolvimento com o mensalão, na terça-feira, o ministro Celso de Mello chegou a dizer que os parlamentares eram 'a maior clientela' da corte em processos penais. O paradoxal é que o julgamento do mensalão, se os políticos forem rapidamente condenados, pode estabelecer uma nova visão sobre o tão criticado foro privilegiado.

MALUF

Jackson Barreto (PMDB-SE), que está no quarto mandato na Câmara, é o campeão de ações penais e responde a nove processos no Supremo. O deputado Paulo Maluf (PP-SP), alvo de dezenas de processos na Justiça, atualmente não é réu em nenhuma ação no Supremo. Uma pesquisa no site do STF mostra que o ex-prefeito de São Paulo figura como autor de uma ação contra a ministra do Turismo, Marta Suplicy. Em meados de agosto, o STF confirmou condenação de Maluf, que o obriga a ressarcir os cofres públicos do Estado de São Paulo por prejuízos causados pelo consórcio Paulipetro, que buscou petróleo e gás na bacia do Rio Paraná, quando era governador (1979-1982), mas não encontrou.

Foi a primeira vez que o STF manteve uma condenação do ex-prefeito. Dias antes, no início de agosto, o Supremo determinou o arquivamento de investigação que apurava crimes de responsabilidade supostamente praticados por Maluf, por entender que houve prescrição. Em 2002, o tribunal, última instância judicial, anulou sentença contra o ex-prefeito, livrando-o de devolver aos cofres públicos o dinheiro gasto com a doação de um Fusca a cada jogador da seleção brasileira, em 1970.

ALERTA

Considerado um privilégio, o julgamento de deputados e senadores no Supremo pode ser, no entanto, uma faca de dois gumes. O alerta é feito pelo presidente da extinta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), e pelo relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Pelo menos no caso do processo penal do mensalão, os 40 réus correm risco de ser condenados em tempo recorde, bem mais depressa do que se estivessem sendo julgados pela Justiça comum.

'Há uma interpretação equivocada em relação ao chamado foro privilegiado no Supremo. Esse é o pior foro de todos, porque o réu é julgado uma só vez, tem uma só possibilidade e não tem a quem recorrer mais', resume Serraglio. A tese é reforçada por Delcídio: 'Quem for condenado no Supremo vai recorrer a quem? Ao papa? Não tem mais para onde recorrer.' Para ele, um dos maiores méritos do julgamento do esquema do mensalão foi o recado dado à classe política. 'Quem tem foro privilegiado não conta com a benevolência de mais ninguém.'

Serraglio pondera ainda que, no foro privilegiado do Supremo, as chances de um crime prescrever são menores. 'Se os réus do caso do mensalão estivessem sendo julgados pela Justiça comum, teriam o direito de recorrer, pelo menos, a quatro instâncias superiores até chegar ao Supremo', explica. O deputado avalia também que o poder de influência dos políticos sobre os juízes de primeira instância é bem maior do que sobre ministros do Supremo. 'A pressão em cima de um juiz de uma cidade pequena, por exemplo, é muito maior do que sobre o Supremo.'

RAPIDEZ

Sub-relator da CPI dos Correios, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) é outro que alerta para os riscos do foro privilegiado. 'É uma contradição, pois ao final poderá se dizer que o julgamento do mensalão só teve êxito por causa do foro privilegiado no Supremo', diz Fruet, ao lembrar que os réus não têm outras instâncias para recorrer quando são julgados pelo STF. 'Não é à toa que, a não ser os réus não-políticos, os políticos estão todos pedindo um julgamento célere. Eles sabem que alguns deles podem ser absolvidos e dificilmente haverá prescrição de pena.'

Entre os delitos imputados pelo Supremo a parte dos envolvidos com o mensalão, o crime de formação de quadrilha é o que tem uma das penas mais leves e, mesmo assim, leva seis anos para prescrever.

Para o deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP), que também foi sub-relator da CPI dos Correios, o Supremo não é o local ideal para julgar parlamentares. 'O STF é um tribunal que não tem estrutura para cuidar dessas ações. É anacrônico', diz o petista. Ele argumenta que, por conta da falta de estrutura, o Supremo é obrigado a privilegiar determinadas ações em detrimento de outras. 'Tem de se criar mecanismos para que não se gere impunidade', defende. 'Mas ainda tem muita gente que quer se eleger apenas para ganhar foro privilegiado.'