Título: Crise imobiliária dos EUA faz estragos nas agências de rating
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2007, Economia, p. B10
Momento ruim pode desvalorizar a nota grau de investimento que o Brasil vai receber das agências
Sexta-feira, a agência de classificação de risco Standard & Poor¿s anunciou a substituição da presidente da divisão de serviços financeiros, Kathleen Corbet. Foi mais um sintoma da crise de confiança que acertou em cheio a reputação das principais empresas do setor - Moody¿s e Fitch, além da S&P - após a derrocada do segmento de crédito imobiliário de segunda linha dos Estados Unidos (conhecido como subprime). É algo que interessa diretamente ao Brasil, que está prestes a obter dessas agências o chamado grau de investimento - que, em tese, significa que a probabilidade de o País dar um calote é baixíssima. Muitos se perguntam se essa chancela vale hoje o mesmo que valia antes da crise.
As poderosas avaliadoras estão agora sob escrutínio, acusadas de conflito de interesses e falhas na avaliação de riscos. Essas agências eram encarregadas de dar notas aos papéis lastreados em financiamentos imobiliários. As empresas de hipoteca vendiam crédito aos americanos, os bancos compravam esses créditos e os transformavam em pacotes de títulos, vendidos a fundos de investimento. E esses títulos eram avaliados pelas agências de rating.
O problema é que grande parte dos papéis que recebiam notas altas era lastreada em financiamentos com pouquíssima probabilidade de serem pagos. Ou seja, investidores compravam papéis AAA pensando que eram seguros, mas, na verdade, estavam com um mico na mão.
¿A reputação das agências foi bastante prejudicada; só vamos saber a extensão do dano quando a crise acabar¿, disse ao Estado Lawrence J. White, professor de Economia da Universidade de Nova York, que vê semelhanças com a situação de empresas de auditoria como a Arthur Andersen durante os escândalos contábeis. As ações da Moody¿s, negociadas a mais de US$ 70 há três meses, estão hoje na faixa dos US$ 45.
O Congresso americano deve convocar uma audiência para investigar o papel das agências no colapso do mercado. ¿Estou muito preocupado com o método de avaliação dos papéis ligados a hipoteca¿, disse o senador Christopher Dodd, líder do comitê bancário do Senado.
A União Européia vai investigar o motivo por que as agências demoraram para diminuir as notas de crédito dos papéis de hipoteca e examinar se houve conflito de interesse. Isso porque as agências são pagas pelos próprios emissores dos títulos. Portanto, poderia haver um incentivo para elas ¿melhorarem¿ as notas dos papéis.
Essa não é a primeira vez que as agências são alvo de críticas. Em 2001 e 2002, elas mantiveram o grau de investimento para a Enron e WorldCom até poucos dias antes da quebra dessas companhias. Na crise da Ásia, em 1997, elas também demoraram para reduzir as notas de países como Tailândia e Coréia.
¿No caso da Enron e da WorldCom, as agências foram simplesmente muito lentas¿, diz White. Segundo ele, é um problema inerente à função das agências, que tentam apresentar um panorama de longo prazo, e não flutuações diárias na saúde financeira.
O segundo problema, segundo White, é que essas empresas têm consciência da importância de seus ratings - os mercados respondem vigorosamente a uma promoção ou rebaixamento de nota. Um grau de investimento funciona como um selo de qualidade que economiza milhões em juros de empréstimos. Já um rebaixamento pode custar milhões a uma empresa ou mesmo excluí-la de alguns negócios - certos fundos são proibidos, em seus estatutos , de comprar títulos de empresas ou países que não tenham atingido o grau de investimento.
Mas, na atual crise, muitas agências estavam envolvidas na criação dos pacotes de títulos lastreados em hipotecas. ¿Os emissores trabalharam em conjunto com agências para desenhar produtos que teriam determinadas classificações¿, diz o professor. ¿Portanto, elas têm muito mais responsabilidade.¿
¿O timing das revisões para baixo das classificações de papéis lastreados em hipotecas de alto risco é consistente com o que vínhamos dizendo nos últimos meses e, em última instância, só parte desses títulos teve downgrade¿, diz James Jockle, porta-voz da Fitch Ratings.
Claire Robinson, diretora-gerente da Moody¿s responsável por Finanças Estruturadas, diz que a agência publica relatórios sobre a deterioração da qualidade das hipotecas desde 2003, e começou a rebaixá-las no fim de 2006. Ela afirma que há uma série de condutas que isolam os analistas da área de vendas, evitando conflito de interesses.
Para Dean Baker, diretor do Centro de Pesquisas de Economia e Políticas Econômicas, as agências têm responsabilidade na crise porque eram cruciais para o mercado secundário. As boas notas que davam aos títulos levaram muitos investidores a comprar os papéis, o que era um incentivo para as empresas de hipoteca venderem mais créditos. ¿Mas ninguém teve bom senso¿, disse Baker ao Estado. ¿Todos sabiam que muitas pessoas que estavam tomando esses financiamentos não ia conseguir pagar - o mercado de subprime passou de 3,4% das hipotecas nos anos 2000 para 25% em 2006. Era óbvio que algo estava errada.¿
Analistas acham que as agências terão de adotar regras mais rígidas para recuperar reputação. ¿Muitos investidores estrangeiros que compraram papéis AAA e se deram mal agora não confiam nas agências¿, diz Baker. ¿O selo `grau de investimento¿ tem menos valor.¿
Arturo C. Porzecanski, professor da American University, acha que há exagero. Para ele, toda vez que há uma grande correção no mercado, culpa-se alguém. ¿Quando as pessoas perdem dinheiro, reclamam do corretor, da sogra, de todo mundo.¿ Para ele, os fundos precisam de orientação e, em geral, as agências fazem avaliações acertadas. ¿Tornar-se grau de investimento ainda é uma meta para o Brasil¿, diz. ¿Tem gente que nem sabe apontar o País no mapa. Como vão investir sem a classificação de uma agência?¿