Título: Falando de tecnologia com os ministros do STF
Autor: Siqueira, Ethevaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2007, Economia, p. B22

Respeitáveis ministros do Supremo Tribunal Federal. Antes de mais nada, devo confessar que, como brasileiro, fiquei muito feliz com o enquadramento dos 40 do mensalão.

Como é bom acreditar que a impunidade vai acabar, ainda que, lá no fundo, meu coração me diga que, daqui a três anos, a maioria esmagadora desses 40 réus será absolvida.

Mas meu tema é tecnologia. Aceitar o novo não é fácil. Assim tem sido ao longo da história. A inovação sempre encontra resistência dos guardiães do direito, da justiça, da educação, da religião ou da economia. Digo isso ao referir-me de forma especial à recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a realização de interrogatórios por meio de videoconferência, no dia 14 do mês passado. Decisão unânime.

Recordando: o STF decidiu que a tomada de depoimentos por meio de sistemas de áudio e vídeo, sem a presença física do réu perante o juiz, é inconstitucional, uma vez que fere o direito de ampla defesa e torna os julgamentos 'mecânicos e insensíveis'.

No caso em pauta, o Supremo concedeu habeas corpus e anulou a condenação de um réu interrogado por meio de videoconferência, em São Paulo, condenado em primeira instância a 14 anos, dois meses e 20 dias de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo.

Eis aí uma típica vitória do formalismo conservador contra o interesse da coletividade. Lembra-me a resistência de alguns bispos e clérigos - que, felizmente, não prevaleceu - contra as primeiras edições impressas da Bíblia de Gutenberg, produzidas segundo uma técnica ¿fria, metálica, artificial, sem o toque humano e sem a bênção de Deus¿.

RESISTÊNCIA

A história tem centenas de exemplos de preconceito e resistência diante das inovações. Por volta de 1840, alguns médicos norte-americanos chegaram a condenar as viagens de trem por considerar ¿antinaturais e prejudiciais ao ser humano quaisquer deslocamentos a mais de 40 quilômetros por hora, já que o homem não consegue correr a mais de 36 km/hora¿.

Outro caso clássico da luta do novo contra o velho, ocorreu em 1925, no Tennessee, Estados Unidos, tendo como personagem central o professor secundário John T. Scopes, processado num caso de repercussão internacional, por ensinar a teoria evolucionista de Charles Darwin. O defensor do professor, Clarence Darrow, foi proibido pelo juiz de discutir a validade do evolucionismo darwinista. O resultado foi desastroso. Considerado o maior advogado da época nos Estados Unidos, Darrow desafiou o promotor, o fundamentalista William Jennings Bryan, a defender a validade da interpretação bíblica ao pé da letra, criando-lhe os maiores embaraços e situações ridículas. Mesmo assim, o formalismo obscurantista venceu. O professor foi condenado a pagar uma multa de US$ 100 - importância maior do que seu salário de três meses, na época.

No passado, professores de matemática proibiam o uso da calculadora eletrônica, obrigando seus alunos a fazer cálculos infindáveis, sob pretexto de que aquelas maquininhas ¿emburrificavam seus alunos¿.

ATRASO

Vejam, senhores ministros, como anda atrasada a Justiça quanto ao uso de novas tecnologias, como informática ou telecomunicações. Rejeitar a videoconferência - que em nada prejudica o direito de defesa dos mais perigosos criminosos, mas protege a população e economiza milhões - é mais uma decisão terrível na direção oposta ao progresso e à eficiência dos tribunais brasileiros.

Se vier a prevalecer, a imputada inconstitucionalidade da videoconferência é dessas decisões que confundem o povo, reforçando-lhe a impressão de que a defesa dos direitos humanos está muito mais centrada na integridade e na proteção ao bandido do que em suas vítimas.

Como entender a insensibilidade de magistrados diante dos riscos e elevados custos que o Brasil continuará tendo com a remoção de milhares de presos, muitos deles de alta periculosidade, apenas para interrogá-los com o rito tradicional?

No sistema de videoconferência implantado e utilizado pela Justiça criminal paulista, a comunicação entre juiz, promotor, advogados e depoentes se tem dado em tempo real com a utilização de canais exclusivos de áudio para que o réu possa conversar em sigilo com seus defensores.

Com a chegada da TV digital de alta definição e, em especial, dos moderníssimos sistemas de telepresença, recentemente exibidos nos Estados Unidos, a videoconferência confere o máximo de fidelidade de imagem e de realismo aos depoimentos, como se as pessoas estivessem praticamente frente a frente. Até as menores reações, como a palidez ou a respiração do depoente, podem ser captadas. Nada, portanto, de mecânico, frio ou insensível.

Diante da tecnologia, não cabe pavor nem deslumbramento. Temos que utilizá-la da melhor forma, em benefício do ser humano e de toda a sociedade.

Meu velho pai dizia: para o formalista o que vale não é a vacina que imuniza e salva, mas, o atestado, um papelucho que pode ser falso e mentiroso.