Título: Poucos mortos após o terremoto
Autor: Kaletsky, Anatole
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2007, Economia, p. B10

Foi isso, então? Como adolescentes desapontados, saindo sorrateiramente do cinema porque um filme de ultra-hiperhorror não atendeu às suas expectativas, os leitores das histórias de tirar o fôlego sobre o colapso financeiro global deste verão (no Hemisfério Norte) podem ter ficado se perguntando o que aconteceu com o clímax de gelar o sangue dessa trama sensacional.

Onde estava o longamente desejado assassinato em massa de bilionários de privaty equity? E os pactos suicidas sadomasoquistas entre as administradoras de fundos hedge e os banqueiros de investimentos? E o mais importante, onde estava o histérico corte nos juros por parte dos presidentes de bancos centrais mortos de medo que deveriam levar essa catástrofe a um clássico clímax de filme de matança com facas e punhais?

Vamos começar com o fim - já que não parece que o pior da crise de verão chegou a um final na semana passada. Agora está evidente que a redução de emergência nas taxas de juros e outras medidas resultantes do pânico que muitos investidores vinham exigindo aos berros durante todo o verão - e eruditos puritanos já estavam acusando muito prematuramente de uma doação imoral e imprudente a financistas ambiciosos e não merecedores - não vão ocorrer. Os principais bancos centrais confirmaram isso.

Primeiro, Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu, insinuou que o aumento na taxa de juros que tinha (bastante tolamente) prenunciado no início de agosto ainda está agendado - embora não seja mais a certeza que parecia ser há um mês. Segundo, o Banco da Inglaterra insistiu em continuar a emprestar aos bancos de Londres que foram pegos com escassez de fundos overnight somente a sua taxa de emergência sujeita a punição, apesar do fato de que a indústria bancária estava claramente sofrendo de alguns transtornos muito graves.

Então, na sexta-feira, o mais importante mentor da política de todos, Ben Bernanke, o presidente do Conselho do Federal Reserve dos Estados Unidos, finalmente falou publicamente - e pareceu tão calmo e imperturbado quanto os acadêmicos do mercado tinham sido histéricos e tomados de pânico.

O que Bernanke disse no trecho crucial do seu ansiosamente esperado discurso foi previsível e direto: 'Não é responsabilidade do Federal Reserve - nem seria apropriado - proteger emprestadores e investidores das conseqüências de suas decisões financeiras. Mas os acontecimentos nos mercados financeiros podem ter efeitos econômicos amplos sentidos por muitos fora dos mercados, e o Federal Reserve precisa levar em consideração esses efeitos quando determinar a política.'

Essa declaração significa na prática que o Fed não tem intenção de desorganizar o curso normal de suas operações monetárias e não haverá redução de emergência nos juros antes de sua próxima reunião, em 18 de setembro. No entanto, na reunião, o Fed provavelmente fará o que tendia a fazer de qualquer maneira neste outono, mesmo na ausência da chamada crise. Anunciará uma redução modesta nas taxas de juros dos EUA.

Esse refresco seria, de qualquer forma, justificado, como já argumentei em maio último, pela desaceleração da economia americana e o enfraquecimento das pressões inflacionárias. A única diferença que a crise financeira do verão provocou teria sido adiantar em mais ou menos um mês o modesto refresco monetário que os números da economia americana estavam sugerindo de qualquer forma.

A reação positiva do mercado de ações na semana passada a toda essa inação monetária sugere que os presidentes dos bancos centrais ganharam sua guerra de nervos com os superexaltados acadêmicos financeiros e estão no seu caminho para restaurar o tédio que gostam que seja a emoção prevalecente no mundo da política econômica. Ao dizer isso, não quero implicar que as políticas dos banqueiros centrais estão necessariamente certas.

Acredito que o Banco Central Europeu cometerá um grave erro se elevar a taxa pela qual empresta dinheiro para absorver a liquidez de curto prazo do sistema de 4% para 4,25% ao ano quinta-feira, o que ainda acredito que fará. A economia européia está agora mais fraca do que a dos EUA, Japão e Grã-Bretanha e o sistema financeiro alemão está mostrando mais sinais de reveses do que a City (centro financeiro) de Londres ou Wall Street. Portanto, uma elevação na taxa esta semana seria totalmente inadequada.

Acredito, também, que o Banco da Inglaterra devia ser muito mais transparente em tirar da sua agenda uma alta posterior na taxa de juros. A Grã-Bretanha será atingida mais diretamente do que qualquer outra economia do G-7 pelo lucros financeiros menores e o bônus bancário será uma conseqüência inevitável do turbilhão financeiro do verão - mesmo se os efeitos de longo prazo dessa chacoalhada se mostrem bastante modestos, como acredito. Além disso, o Banco da Inglaterra tem tido menos sucesso que outros bancos centrais importantes em administrar as turbulências de curto prazo nos mercados financeiros de Londres.

O banco permitiu que surgisse uma diferença quase sem precedentes de quase um ponto porcentual entre a taxa base estabelecida oficialmente de 5,75% e a taxa de 6,6% paga pelos bancos no mercado monetário da City. Isso significa que grandes partes da economia britânica estão agora pagando uma taxa de juros muito mais alta do que aquela que o Comitê de Política Monetária do Banco aprovou há um mês - se essa situação persistir durante muito mais tempo, a credibilidade das previsões econômicas do Comitê de Política Monetária inevitavelmente precisam ser questionadas. Mais ainda, o turbilhão financeiro criou uma diferença muito mais ampla entre as taxas de mercado e as taxas oficiais de juros na Grã-Bretanha do que nos mercados americano e europeu.

Essa diferença, juntamente com as falhas nos pagamentos que provocaram vários episódios breves de pânico no mercado monetário de Londres neste verão, levanta questões sobre a competência técnica do banco em administrar operações do mercado monetário, que costuma ser o melhor de todos.

Em contraposição, nos parece que o Fed fez quase tudo certo. Tem mantido as taxas de juros do mercado próximas dos seus fundos alvo do Fed, dessa forma minimizando o impacto econômico da crise do verão.

Bernanke agora tem a oportunidade de reduzir ligeiramente as taxas de juros sem qualquer sensação de pânico, no seu tempo oportuno. Que tédio. Mas, então, como comentou Keynes, a melhor coisa que se pode dizer sobre um presidente de banco central é que ele faz o seu serviço parecer tão insípido quanto um trabalho de odontologia. Os presidentes dos bancos centrais ainda não concretizaram totalmente essa ambição. Mas, a despeito das manchetes sombrias, ainda há muito pouca chance de um presidente de banco central fazer sucesso nos filmes de horror de Hollywood.

*Anatole Kaletsky escreve para o The Times