Título: Iranianas em busca da igualdade
Autor: Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2007, Especial, p. H1

Embora oprimidas pelo regime, elas já ocupam 67% das vagas nas universidades e metade da força de trabalho

A Constituição de 1906 e a emancipação das mulheres, em 1935, deram lugar em 1979 a um Código Civil que estabeleceu a supremacia masculina. Baseado em uma interpretação da sharia, a lei islâmica, o paradoxal regime imposto pelos aiatolás nega às mulheres o direito ao divórcio, à guarda dos filhos, de viajar ou alugar apartamento sozinhas, mas lhes permite estudar, votar, ocupar cargos públicos, dirigir. Oportunidades que elas agarraram com as unhas.

A guerra contra o Iraque, que durou oito anos e matou 300 mil homens, obrigou o recrutamento de mulheres para o serviço público. Quando os aiatolás se deram conta, elas já não queriam ficar em casa. Mais tarde, uma política de controle de natalidade adotada pelo governo, com o aval dos clérigos, garantiu às mulheres casadas acesso gratuito a métodos contraceptivos. Com menos filhos, elas ganharam tempo para se dedicar à profissão.

Hoje, ocupam 67% das vagas nas universidades e são a metade da força de trabalho: jornalistas, advogadas, cineastas, taxistas, pilotos de avião, jogadoras de futebol, economistas. Aos poucos, vêm conquistando espaço e voz na sociedade - a maioria dos 70 mil blogs iranianos, que colocam o farsi entre os dez idiomas mais usados na internet, são feitos por mulheres.

"A minha geração, de certa forma, ficou um pouco perdida no meio das transformações. Ao mesmo tempo, é a que fez o elo entre passado e futuro. Carregamos a tradição persa, atravessamos a revolução e a guerra, vivemos um regime opressor. Mas, enxergamos o futuro pelos olhos de nossas filhas, que vivem outra revolução, a tecnológica. Essas três gerações transformaram as iranianas em mulheres muito poderosas", diz Manijeh, de 45 anos, que recebeu o Estado em sua produtora, no centro de Teerã.

São mulheres como Nazanin Azar, de 36 anos, obrigada pelo pai a se casar aos 12. "Eu nem tinha menstruado ainda", diz. Aos 14, teve o primeiro filho. Aos 18, o segundo. Sempre quis se separar, mas o marido não permitia. "Eu atazanei tanto a vida dele que ele me largou. Mas, ficou com a casa e com meus filhos. Se quisesse, eu teria de comprá-los de volta."

Com a ajuda de uma amiga, Nazanin conseguiu um emprego de secretária. "Ninguém podia saber que eu era separada", diz. Por dez anos, ela juntou dinheiro para recuperar os filhos. Hoje, sustenta a casa e, há três meses, juntou-se a outras 150 mulheres para abrir uma cooperativa de motoristas de táxi e clientela exclusivamente femininas. "Faço mais do que conduzi-las, virei psicóloga. No carro, contam-me todos os seus problemas. Uma passageira me disse que não saía de casa sem o marido havia cinco anos. Ele só permitiu porque o táxi era guiado por uma mulher."

Sua mais fiel clientela são jovens, arrumadas para festas, que usam seu táxi para evitar o assédio dos homens e a opressão da polícia. No Irã, as mulheres são obrigadas a usar camisões largos até os joelhos com as mangas cobrindo os braços, calças compridas e o véu islâmico. Essa vestimenta foi incorporada à moda e tornou-se uma forma de identidade social. As cobertas com o manto negro do chador são conservadoras, religiosas, alinhadas com o governo e os aiatolás. Centenas se reúnem na Universidade de Teerã para as orações de sexta-feira, equivalente à missa dominical. E para ouvir as palavras do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, que no regime teocrático do Irã, onde religião e política se confundem, têm força de lei. Na direção oposta, as que adotam vestimentas mais modernas e ousadas, são as secularistas - e alvo da polícia.

Desde abril, o governo vem realizando blitze em busca de mulheres com parte dos cabelos à mostra, véus coloridos, maquiagem, roupas justas e salto alto. Em março, mais de 30 foram presas em um protesto público contra a acusação de cinco ativistas. Elas participaram de outro ato pela igualdade de gênero, em junho de 2006, quando mais de 70 foram detidas.

Críticos do presidente Mahmud Ahmadinejad não vêem na ofensiva uma ação moral, mas a tentativa de intimidar as mulheres e evitar a ascensão de dissidentes como Shahla Sherkat, de 40 anos, que discute assuntos polêmicos - como abuso sexual - em sua recém-lançada revista feminista Zanan, ou a Prêmio Nobel da Paz Shirin Ebadi (veja entrevista na página seguinte). São ativistas que, apesar das ameaças de prisão, continuam lutando.

A cineasta Manijeh é uma delas. Entre um cigarro e outro - e sem o véu - ela conta que já produziu 25 filmes. O primeiro, como diretora, foi Prisão de Mulheres, sobre a vida de detentas em Teerã. O roteiro foi recusado pela empresa cinematográfica estatal. Manijeh obteve autorização em nome do marido, o diretor de arte Jamshid Ahangarani, e financiou o longa do próprio bolso. O filme foi proibido - e ela, ameaçada de prisão ao tentar mostrá-lo em uma sala de exibição caseira. Manijeh enviou cópias do longa para o exterior e seu filme foi exibido em 80 festivais, faturando sete prêmios.

"Fiquei doente", conta. O governo também quis impedir a produção de Três Mulheres. Dessa vez, Manijeh anunciou que mudaria de profissão e foi para a porta do Palácio do Governo vender cigarros. "A imprensa divulgou e, no dia seguinte, autorizaram a filmagem", diz. "Eles podem dificultar nosso trabalho, mas não podem nos eliminar. As mulheres iranianas são muito fortes." E vaidosas. Pelo menos 30 mil fizeram cirurgia plástica de nariz desde que o hijab foi instituído, em 1979.