Título: Transexualismo é única saída para os gays
Autor: Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2007, Especial, p. H1

O jovem iraniano Mehrshad, de 20 anos, vai se casar. No mês passado, ele procurou o consultório do médico Bahram Mir-djalali para fazer a operação de mudança de sexo que o transformará em Maryan e permitirá a união com Al, seu noivo há dois anos. Acompanhado pela mãe, uma senhora religiosa coberta pelo chador, Mehrshad tem em mãos a autorização judicial para trocar de identidade.

O nome escolhido é uma homenagem a Maryan Molkara, primeiro a escrever para o aiatolá Khomeini contando o flagelo dos transexuais desde a Revolução Islâmica. Tratados como gays e lésbicas, estavam sujeitos à lei do país, que condena o homossexualismo, punido com a morte. Convencido por uma junta médica da necessidade da cirurgia para os casos de "distúrbios de identidade de gênero", Khomeini pronunciou uma fatwa (decreto religioso) e a mudança de sexo passou a ser permitida no Irã. Desde então, mais de 200 operações foram feitas em hospitais públicos. Custam US$ 4 mil. A permissão é dada sob parecer de um psiquiatra do governo, após seis meses de sessões de terapia. "Primeiro, tentamos convencê-los do contrário porque essa é uma cirurgia delicada, com complicações físicas e implicações sociais profundas", diz o cirurgião do Hospital Mirelamal, Hosseim Zamani.

O futuro marido de Mehrshad não conhece a sua identidade - relações íntimas antes do casamento são raras no Irã. "É a única chance de me casar", diz. A mãe teve um colapso nervoso e ficou três meses internada ao saber que o filho queria ser mulher. Mehrshad foi expulso de casa e vive com um primo.

Em uma sociedade que condena o homossexualismo, as conseqüências podem ser ainda mais trágicas. Transexuais ouvidos pelo Estado, em três horas de conversa em um restaurante de Teerã - onde garçons ameaçavam chamar a polícia, caso não cobrissem o rosto masculino fortemente maquiado com o véu islâmico - contaram ter feito a cirurgia para se livrar da perseguição policial. "Você acha que eu faria isso com meu corpo se não vivesse no Irã? Eu não tinha alternativa", disse um deles, de 30 anos, que decidiu operar aos 20.

O doloroso procedimento teve de ser repetido quatro vezes. Ele viajou à Tailândia, com tradição em cirurgias plásticas, para mudar outras partes do corpo e tornar-se mais feminina. Ao todo, fez 17 cirurgias. Transformado em uma linda mulher, conseguiu se casar, mas o marido descobriu seu passado e quis o divórcio. Desempregado, ele exerce hoje a profissão mais perigosa do Irã: a prostituição. Cobra US$ 100 por programa e já foi preso quatro vezes. "Sou uma pessoa amargurada. Tomo remédios para dormir. Transformei-me no que não sou e continuo sendo perseguida, agora como mulher." O amigo transexual de 40 anos, foi preso cinco vezes - na última, levou 99 chibatadas e passou 12 dias numa solitária. Ele mostra as fotos tiradas após ser solto, as costas ainda marcadas. Com elas, pretende obter asilo político. As histórias se repetem. São tão cruéis que parecem irreais. Se é difícil ser mulher no Irã, pior é ser transexual.