Título: O fiel da balança no Senado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2007, Notas & Informações, p. A3

O desfecho da votação em plenário do pedido de cassação do presidente do Senado, Renan Calheiros - se ele não renunciar antes ao cargo -, poderá não ser exatamente o que tem sido previsto pela quase unanimidade dos observadores. No primeiro dos três processos abertos contra o político alagoano no Conselho de Ética, ele esperava perder por 9 a 6. A expectativa geral era de que perdesse por 10 a 5. Perdeu por 11 a 4, graças à guinada do petista João Pedro, do Amazonas, que, à última hora, resolveu acompanhar os dois outros companheiros de partido no colegiado, Augusto Botelho, do Paraná, e Eduardo Suplicy, de São Paulo. Também eles aprovaram o parecer dos relatores, segundo o qual Calheiros quebrou o decoro parlamentar por suas relações promíscuas com o lobista de uma empreiteira contratada para uma obra de R$ 63,5 milhões em Maceió e por haver mentido aos seus pares quando tentou e não conseguiu provar que lhe pertenciam os recursos com que o lobista pagava as suas dívidas extraconjugais.

Pelos cálculos correntes, Calheiros teria a seu favor, na votação secreta marcada para a próxima quarta-feira, algo como 46 sufrágios, em 81 possíveis. Não passariam de 35 os senadores decididos a puni-lo. Porém, se preservar o mandato por uma diferença inferior a dois dígitos, colherá a proverbial vitória de Pirro e entrará para a crônica da Casa como o mais desmoralizado dos seus presidentes - tendo de enfrentar ainda as duas outras ações na pauta do Conselho de Ética.

Pesam a favor dessa hipótese, além do exemplo dos votos dos conselheiros petistas contra um dos principais operadores da entrada do PMDB no governo Lula, os indícios de que o Planalto já não pretende quebrar lanças para resgatar o aliado. No dia da decisão do Conselho, o presidente surpreendeu pela frieza com que tratou o caso. ¿Tem um processo que está sendo julgado onde precisa ser julgado¿, declarou. ¿Renan tem mostrado as provas e essas provas são analisadas. Vamos ver a decisão.¿

O desassossego do senador é evidente. Não fosse por isso, a sua turma não estaria tratando de tornar secreta toda a sessão em que o seu destino estará em jogo, a exemplo daquela que, ainda assim, cassou o também peemedebista Luiz Estevão, em 2001. E não fosse por isso, os renanzistas não se poriam desde já a cobrar lealdade do PT, ¿como o PMDB sempre foi leal ao governo¿. Dada a aparente relação de forças na Casa, a bancada petista de 12 membros é tida como o fiel da balança do julgamento em plenário. Em tese, a oposição tem os 41 votos necessários para a cassação, mas alguns oposicionistas são sabidamente pró-Calheiros, por afinidades pessoais e regionais ou por lhe deverem favores. Se os petistas votarem pensando exclusivamente nos interesses do governo, talvez concluam que não convém a Lula ter na cúpula do Senado um político cuja conduta o transformou em fonte de conflitos. Além de tudo isso, paira no ar o regenerador ¿efeito Supremo¿.

Não será um passeio, mas se o Planalto persuadir os correligionários de Calheiros de que, com ele ou sem ele, o PMDB manterá as suas numerosas posições no governo de coalizão, terão pouco efeito as ameaças de retaliação que circulam entre os renanzistas. Naturalmente, o desfecho dessa história vai depender de um inabalável compromisso do presidente de trabalhar para que o eventual sucessor de Calheiros seja outro peemedebista - mas não um peemedebista dissidente como, por exemplo, o ex-governador pernambucano Jarbas Vasconcelos.

É precisamente nessa direção que já há algum tempo se encaminha Lula. Ninguém ignora que o desfecho que deseja para essa crise é José Sarney de novo na presidência do Senado. Ao longo da descida de Calheiros aos infernos, o cacique maranhense tem se esmerado em manter a maior discrição. Mas anteontem ele teria voltado a sondar a disposição do colega de entregar os anéis (a presidência do Senado) para salvar os dedos (o mandato).

Na versão original - que ele repeliu - a contrapartida seria o arquivamento da primeira denúncia. Agora, além da absolvição em plenário, seria preciso remover os outros dois processos, o que deixaria o Conselho de Ética numa situação não menos vexatória do que a do impenitente transgressor do decoro parlamentar.