Título: ONU vê mais problemas para o Brasil
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2007, Economia, p. B11

Relatório da instituição descreve a política monetária do País como 'decepcionante' com 'custos insustentáveis'.

A ONU alerta que uma real turbulência no mercado financeiro internacional ainda virá, que a crise pode se aprofundar e que, nesse cenário, o Brasil será um dos países mais afetados. O recado é de um dos principais economistas da entidade, que ontem publicou o relatório da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) sobre a situação internacional. Segundo o documento, a tendência é que a competitividade do País seja cada vez mais afetada, principalmente com a valorização do real. Para a ONU, o resultado da política monetária brasileira é 'decepcionante', os custos são 'insustentáveis para a economia real' e a especulação do real só tende a crescer.

'Uma crise maior no cenário internacional ainda pode ser esperada, levando moedas a situações insustentáveis', destacou Heiser Flassbeck, autor do relatório da ONU e ex-vice-ministro de Finanças da Alemanha. Por enquanto, a entidade mantém o crescimento do País em 4,5% para 2007, contra uma alta do Produto Interno Bruto (PIB) mundial de 3,7%. Em 2006, o crescimento da economia mundial foi de 4%. 'O risco para a economia mundial é real diante dos desequilíbrios na economia americana. Em algum momento essa situação não será mais viável e uma crise nas taxas de câmbio pode se instaurar. Tal cenário teria efeitos ainda piores nos países com amplos superávits, como Japão e Alemanha', disse o autor do documento.

Para Flassbeck, os países emergentes estão melhores preparados para enfrentar esse cenário, já que muitos conseguiram sair da situação de uma dependência de capital externo.

Em regiões como Ásia, a taxa de crescimento em 2007 ainda é de 7,2% , contra 7,6% no ano passado. 'Não será uma crise como a da Ásia em 1997 ou na América Latina em 1999 e 2002. Não haverá tanta fuga de capitais. Mas uma desaceleração importante em algumas economias', disse o alemão. Ele ressalta, porém, que um dos efeitos da crise será um maior movimento de capital especulativo em várias partes do mundo.

Flassbeck, porém, faz um alerta. A reação padrão dos emergentes não deverá ser acompanhada pelo Brasil. 'O País ainda está altamente vulnerável', afirmou, lembrando que será difícil as autoridades manterem taxa de juros alta e ao mesmo tempo tentar evitar a valorização do real. 'O que acabará sendo afetado, como resultado, é a capacidade do País em competir.'

NA RABEIRA

O Brasil, apesar de apresentar um desempenho melhor do que o crescimento de 3,7% em 2006, ainda está abaixo da taxa média de crescimento da América do Sul, de 5,5%; dos 4,7% da América Latina; e dos 6,4% dos países emergentes para 2007.

Na opinião de Flassbeck, a decisão do Banco Central de acumular reservas ao mesmo tempo que mantém juros altos está 'equivocada'. 'Os custos de manter essa reserva são enormes e quem está pagando por isso são os contribuintes .'

Para outro alto funcionário da ONU, o Banco Central brasileiro deveria ser considerado como 'o banco mais ortodoxo do mundo'. 'Não entendemos a política que está sendo adotada no Brasil', admitiu Flassbeck, que não economiza críticas à estratégia brasileira.

Segundo o documento, as altas taxas de juros, aliadas à valorização do câmbio, acabam criando oportunidades para a especulação internacional com o real. O resultado disso é uma queda também na competitividade brasileira. A especulação seria tão intensa em volume como nos momentos antes do regime monetário adotado em 1999.

A ONU aponta que a situação da China, com um crescimento de 10,5%, é bem mais confortável que a do Brasil. 'O BC brasileiro acumula reservas e paga juros altos a quem entra. Com as reservas, aplica no mercado internacional, o que rende muito menos. Portanto, no final sai caro para o País manter essa reserva. Já na China, os recursos entram pela atratividade do mercado, e não pelos juros, que são de apenas 3%. O BC chinês, então, usa os recursos em investimentos no exterior que rendem 5%, saindo do processo até com um benefício', explicou o economista.

'PERÍODO DE OURO'

Enquanto a crise não chega, o secretário-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi, aponta que os últimos cinco anos têm sido 'um período de ouro' para a economia mundial. Ainda destaca que, desde 2003, o crescimento dos países emergentes foi de mais de 30%. Em várias regiões, a renda aumentou.

Agora, porém, a entidade admite que os EUA sofrerão uma desaceleração e que terão uma taxa de crescimento de apenas 2% em 2007.

Outra preocupação é a tendência de exportação de capitais dos países emergentes para os ricos, algo que vem ocorrendo nos últimos meses de forma cada vez mais intensa.

'Isso irá perpetuar os desequilíbrios globais e continuar distorcendo as moedas', afirmou Supachai, que defende um mecanismo universal para lidar com as moedas, da mesma forma que as tarifas são reguladas.