Título: A epidemia de dengue
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2007, Notas & Informações, p. A3

O alarmante aumento do número dos casos de dengue - 45% nos primeiros sete meses de 2007, com relação ao mesmo período no ano passado - é conseqüência da inépcia administrativa do governo federal e de governos estaduais. O problema já havia sido detectado em fevereiro, quando um levantamento realizado em todo o País identificou as principais áreas de risco onde se reproduz o mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. No entanto, a equipe econômica não liberou em tempo as verbas do Programa de Vigilância e Prevenção da Malária e da Dengue para o combate ao vetor da doença. Dos R$ 64,2 milhões previstos para este ano, até agora, transcorridos mais de oito meses, foram liberados somente R$ 18,2 milhões.

Com isso, o Ministério da Saúde ficou sem recursos para promover ações de vigilância, patrocinar campanhas educativas e financiar as medidas de combate à doença que são executadas pelos Estados e municípios. A região mais prejudicada foi o Sudeste. Entre os Estados mais atingidos pelo aumento dos casos de dengue estão, pela ordem, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. Até São Paulo registrou um número recorde de ocorrências, com 62,2 mil pessoas infectadas entre janeiro e agosto. O recorde anterior ocorreu em 2001, quando houve 51,7 mil casos de dengue nos oito primeiros meses do ano.

Segundo o chefe do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Medronho, por falta de verbas as inspeções de responsabilidade das prefeituras fluminenses nos lugares mais propícios à reprodução do mosquito da dengue, como ferros-velhos, cemitérios e terrenos baldios, não puderam ser realizadas com a regularidade recomendada pelos manuais da Organização Pan-Americana da Saúde e do Ministério da Saúde. ¿Os agentes são contratados de forma precária, sem estabilidade no emprego, e trabalham em péssimas condições¿, disse ele.

Além do atraso no repasse das verbas, os epidemiologistas lembram que a campanha de prevenção da dengue durante os Jogos Pan-Americanos, no Rio, divulgou muito mais o evento do que os riscos e a profilaxia da doença. Um dos críticos dessa inversão de objetivos é o diretor do Sindicato dos Médicos do Rio, Eraldo Bulhões. Para ele, a publicidade do Ministério da Saúde é ¿equivocada¿ e se limita a dizer que as pessoas não podem deixar água em pneus e garrafas.

Em sua defesa, os dirigentes do Ministério da Saúde invocaram a dificuldade da população de mudar de hábitos. Como exemplo, apontaram outras doenças, como aids e câncer de pele, em que as pessoas demoraram para incorporar o uso de preservativos nas relações sexuais e de filtro solar. ¿Com a dengue não é diferente. A população sabe como evitar o mosquito, mas 55% reconhecem que seu vizinho não adota as medidas necessárias¿, afirma o chefe da Secretaria de Vigilância em Saúde, Gerson Pena.

Era inevitável, portanto, que essa simbiose entre falta de foco nas campanhas educativas, inépcia administrativa e incapacidade de articular as ações municipais e estaduais, do governo federal, resultasse no agravamento do problema da dengue. Até o mês de agosto, foram contabilizadas 98 mortes ocasionadas pela doença. No mesmo período, em 2006, foram registrados 77 óbitos. ¿Todas essas mortes poderiam ter sido evitadas¿, admite Pena. Até julho, o órgão havia confirmado 438.949 casos de pessoas infectadas. Em 2002, o pior ano da doença no País, foram registrados 794 mil casos em 12 meses.

Como as ocorrências de dengue estão ligadas ao clima e as ações educativas e preventivas precisam ser iniciadas seis meses antes do período de chuva, as próprias autoridades federais reconhecem que há risco de o problema se agravar com o fim do inverno e o início da primavera. Além disso, como as épocas de chuva não são as mesmas no Norte e no Sudeste, há necessidade de campanhas regionais, o que exige descortino na gestão dos recursos disponíveis.

O recrudescimento da epidemia de dengue é um problema que poderia ter sido evitado com maior eficiência gerencial do poder público.