Título: Até quando o Brasil vai estar livre de um novo apagão?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2007, Economia, p. B10

Maurício Tolmasquim: Presidente da EPE

Cláudio Sales: Presidente do Instituto Acende Brasil

A possibilidade de ocorrer um novo racionamento de energia na próxima década tem provocado polêmica no País. A discussão se intensificou com a divulgação recente de um estudo do Instituto Acende Brasil (representante de grandes investidores do setor) que mostra um risco de 28% de o Brasil decretar racionamento em 2011. Para discutir os cenários futuros para o setor energético, a TV Estadão promoveu, na segunda-feira passada, um debate entre o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, Maurício Tolmasquim, e o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales. O vídeo foi transmitido ao vivo e pode ser acessado no endereço www.estadao.com.br. O debate, mediado pela colunista Sonia Racy, mostrou muitas divergências entre os dois entrevistados. Em certos momentos, o clima até esquentou. No calor das discussões, Tolmasquim acusou o instituto de criar pânico no País, desqualificou o estudo feito pela consultoria PSR e garantiu que a situação está sob controle. Do outro lado, Sales manteve a posição de que o cenário interno de abastecimento não é tão confortável assim e a EPE pode se dar ao luxo de fazer previsões mais otimistas.

A seguir, os principais trechos do debate entre os especialistas sobre os cenários de risco de faltar energia no Brasil nos próximos anos.

RISCO DE RACIONAMENTO

TOLMASQUIM: Os dados indicam que não existe problema. Até 2010 há um equilíbrio estrutural entre a oferta e a demanda. Fizemos dois cenários e, nesse caso, vou usar o mais alto, que considera crescimento econômico de 4,8% ao ano e carga (consumo mais perdas) de 5,5%. Pelo lado da oferta, consideramos as usinas hidrelétricas existentes e as que estão previstas para entrar em funcionamento nos próximos anos, além das termoelétricas. A comparação entre oferta e demanda indica que há equilíbrio estrutural até 2010. Em 2011, há necessidade de mais 1.400 MW médios, que serão contratados num leilão a ser realizado no ano que vem. O mais interessante é que o Operador Nacional do Sistema (ONS) acabou de lançar um trabalho em que calcula o risco de déficit do setor. Esse trabalho diz que, ¿considerando qualquer déficit de ajuste, em 2011 teríamos um risco de 7,3% no Sudeste. Esse risco é um risco bastante conservador sem contratar os 1.400 MW.

SALES: Eu sabia que ia discordar do sr. Tolmasquim, mas não sabia que seria tão no início. O relatório preparado pela PSR, uma consultoria consagrada no mercado e especializada nesse tipo de assunto, considera dados oficiais do ONS, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da EPE. A discordância aparece nos critérios da análise. Mas também chamo a atenção para um fato extremamente importante: há cerca de 15 anos, o ONS usa o mesmo critério para o risco de déficit para qualquer profundidade de corte. Agora, na véspera da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), pela primeira vez foi apresentado esse relatório com novo critério. Enquanto o ONS, por ter a responsabilidade de operar o sistema, é muito mais conservador na sua análise, a EPE, que está voltada para um planejamento de longo prazo, se permite alguma licença de planejamento que chega, com os mesmos dados, a números diferentes dos do ONS. A EPE considera que você pode consumir a água até zerar o reservatório. Em 2001, quando o País passou pelo racionamento, o nível dos reservatórios era próximo de 30%. O relatório feito pela PSR mostra qual a percepção de risco que você tem hoje olhando para um horizonte de 5 anos. Ele não diz que vai acontecer racionamento. Ele diz que, dada a situação que temos hoje, de nível de reservatório, capacidade instalada e usinas previstas para entrar em operação e projeção da demanda, qual o risco de decretar racionamento. No relatório atualizado para julho, o risco de racionamento chega a 28% em 2011.

TOLMASQUIM: Não estou aqui como advogado do ONS, mas o que o Cláudio (Sales) está insinuando é grave. Ele está dizendo que o ONS mudou critérios para poder agradar. O ONS está muito transparente, no seu relatório ele diz que faz o cálculo para qualquer déficit. Sem contratar os 1.400 MW, o déficit é 7,3%. Contratando os 1.400 MW, o risco é de 6% no Sudeste e 5,9% no Nordeste. Mais transparência que isso, impossível. O relatório é público e está na internet. Está com todas as mesma hipóteses que o Cláudio diz que está usando. E não é isso porque o relatório deles não conta os 1.700 MW que foram em contratados em 2010. Eles fizeram o relatório antes do leilão de 2010. Ele está equivocado. É discussão de cálculo de risco. Se estamos usando a mesma oferta e a mesma demanda e o critério é o mesmo não podia dar número diferente. O Acende Brasil resolveu criar uma nova metodologia de computar déficit, que nunca foi usado no Brasil, e deu 28%. Agora tem de ver a quem que interessa esse tipo de coisa. Eles acham que é ao País, que estão fazendo um bem para o País, estão fazendo com boa-fé e querem alertar a todos. Eu tenho uma outra interpretação. Mas isso a gente pode discutir depois. Tem uma associação (Acende Brasil) que está criando esse pânico, não os investidores. Chama as outras associações e pergunta a se essa é a posição dos investidores. A minha dúvida é: essa é a posição dos investidores ou de uma determinada associação.

SALES: Lamento que você fique tão exaltado assim.

TOLMASQUIM: Tenho razão. A maneira com que estão tratando o governo não é a correta.

SALES: Ninguém tá tratando mal o governo.

TOLMASQUIM: Estão tentando criar uma situação de caos que não existe.

SALES: A motivação do Instituto Acende Brasil pra tratar do tema é uma só: cobrar, de forma frutífera e transparente, do governo o tratamento desse tema. A opinião pública sabe que fomos porta-vozes de uma cobrança no sentido de que o governo desse transparência a percepção do risco de decretar racionamento e da condição de abastecimento futuro. Pedimos, inclusive, a divulgação da ata do CMSE, comitê formado por autoridades ligadas ao setor de energia com a função específica de monitorar o que está acontecendo naquele momento e as perspectivas futuras, assim como faz o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central). Essa cobrança durou um ano e não veio nada. Resolvemos inverter a mão de direção e fomos buscar um consultor mais renomado nessas questões. O currículo dele mostra que é reconhecido não só no Brasil como no exterior. Portanto, a motivação é essa é não outra. E fiquei até curioso em saber qual essa outra motivação que você disse. Digo mais, o próprio ONS há três meses disse, numa palestra que se tornou pública, que ele estava trabalhando no sentido de estabelecer um critério que desse uma medida do risco de racionamento. E pôs lá as premissas que balizam esse critério e são as mesmas usadas no nosso estudo. Por isso, quero desmentir com veemência que possa haver outro tipo de objetivo.

TOLMASQUIM: Toda vez que aparece um estudo como esse o preço sobe. O relatório do Acende Brasil foi lançado na véspera do nosso leilão.

SALES: Pelo amor de Deus, isso não é sério. Isso é um absurdo. O sr. sabe como o preço do leilão é fixado, inclusive tem a participação da EPE. Em segundo lugar, o preço do mercado spot é um preço formado por um modelo de computador. Terceiro, o sr. marcou o leilão para o dia 12 de junho, depois remarcou para 26 de junho e adiou pela terceira vez. Nós não podíamos mudar a divulgação do trabalho. Eu gostaria de saber porque o governo faz questão de mostrar que o risco de racionamento está normal.

PREÇO FUTURO DA ENERGIA

SALES: Eu queria estar numa situação hoje em que o resultado do planejamento não fosse o que ocorreu no último leilão, em que contratamos usinas que vão rodar queimando óleo combustível para sustentar o crescimento do País. Essas usinas, se operarem, vão custar mais de R$ 300 o MWh.

TOLMASQUIM: As térmicas foram contratadas por R$ 134 o MWh. O preço estima a probabilidade de despacho. Numa térmica a óleo o despacho é elevado. Mas, como opera pouco, o MWh fica mais barato. Não é a energia ideal. Mas, no passado, desmantelou-se o planejamento. Estamos fazendo os inventários nos rios agora. Uma hidrelétrica não aparece num estalo.

Quem é: Maurício Tolmasquim

É presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE),responsável pelo planejamento de longo prazo do setor elétrico

Foi professor da Coppe/UFRJ

É doutor pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) da França

Quem é: Claudio Sales

É presidente do Instituto Acende Brasil, uma entidade que representa grandes investidos privados do setor elétrico

Foi presidente da Mirant no Brasil, ex South Energy, gigante americana de energia

É graduado em engenharia mecânica industrial pela PUC