Título: Os homens que a Petrobrás esqueceu
Autor: Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2007, Economia, p. B12

Pescadores do Paraná aguardam há seis anos as indenizações por acidentes causados pela empresa

Jorge José tem 77 anos e em todo esse tempo o mar nunca lhe negou sustento. José nasceu, cresceu e sobreviveu na Comunidade Tradicional de Medeiros, um entre os 36 vilarejos formados por imigrantes europeus espalhados pelas Baías de Paranaguá, Antonina e Guaraqueçaba, no litoral do Paraná. Região de ecossistema exuberante, cercada pelo maior remanescente de Mata Atlântica do País e o quarto maior berçário de espécies marinhas do mundo. Mas a fartura de peixe que sustentou a geração de pescadores, como a de José, se foi.

Hoje, ele senta no trapiche e se põe a pensar sobre qual é o futuro que está reservado para a prole que formou depois do ¿caso do peixe morto¿. É assim que os 5,4 mil pescadores das três baías que formam o estuário paranaense se referem aos casos de vazamento de petróleo e derivados ocorridos na região em 2001.

O socorro foi lerdo e escasso. Uma cesta básica que nem chegou à mesa de todos e uns trocados. Um navio da Petrobrás, que deixava o terminal da Transpetro, topou com uma pedra no canal. Milhares de litros de nafta petroquímica escorreram para a água. A nafta é um líquido incolor produzido a partir do petróleo, usado como principal matéria-prima da cadeia petroquímica e de plásticos no Brasil.

Mas esse nem foi o pior caso. Em 16 de fevereiro de 2001, o oleoduto que liga o Porto de Paranaguá à Refinaria Presidente Vargas (Repar), em Araucária, se rompeu. Segundo os órgãos ambientais do Estado, pelo menos 50 mil litros de óleo diesel vazaram em quatro rios da região. Uma parte importante alcançou a baía, provocando a morte de toneladas de peixes. Estava batizado o acidente e criado um dos maiores casos de disputa judicial entre pescadores e Petrobrás.

Mas, pior do que a proibição da pesca por seis meses, imposta pelas autoridades ambientais, é o legado do acidente. ¿Depois do caso do peixe morto a pesca não foi mais a mesma. Hoje, o pescador vai para o mar, quase que não tira o que comer. Isso me tira o sono¿, lamenta José. Os 77 anos sobre os ombros e a experiência de pescador lhe asseguram que algo ocorreu no estuário. Não há um pescador que não atribua a má sorte na pesca aos danos provocados pelo derramamento.

Os dados médios de produção de camarão e peixe da Federação das Colônias de Pescadores do Estado do Paraná indicam uma forte redução da produção. As estatísticas são precárias, mas confirmadas em qualquer comunidade que se visite. Segundo o presidente da organização, Edmir Manoel Ferreira, cada pescador tirava pelo menos 5 quilos de camarão ou 20 quilos de peixe por dia até o acidente. ¿A situação mudou muito. A produção diária não passa de 400 gramas de camarão e entre 2 e 3 quilos de peixe por dia¿, afirma.

É produção suficiente para o consumo da família, às vezes nem tanto. O declínio da atividade não causa apenas a frustração de não conseguir alcançar o peixe. A queda da produção atingiu em cheio a renda da pesca artesanal paranaense.

A situação tem provocado um movimento de reação. As mulheres e os filhos dos pescadores têm embarcado para o mar para ampliar as chances de captura do pescado. Alguns jovens têm deixado de estudar para tentar ajudar no sustento da família.

TENSÃO

A tensão social no estuário do Paraná está crescendo. A indenização devida pela Petrobrás seria uma solução, mas tarda sobremaneira - e por hora nada parece indicar uma solução. Numa atitude inédita, o Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná iniciou uma série de negociações com a estatal.

Os 5,4 mil processos contra a Petrobrás por danos morais e materiais começaram a subir da primeira para a segunda instância. Em todos, a Petrobrás perdeu. Os juízes têm arbitrado um valor de R$ 42 mil por pescador para cobrir ambos os danos em cerca de 450 processos julgados.

Em 14 de agosto, os advogados da estatal participaram da quarta audiência no TJ paranaense e fizeram uma oferta de R$ 6,8 mil de indenização para cada pescador. Também tentaram um acordo sobre as ações civis públicas que pedem multa de R$ 7 bilhões para a Petrobrás. As ações incluem, além do vazamento na Serra do Mar que atingiu os pescadores, o derramamento de 4 milhões de litros de óleo bruto no Rio Iguaçu, na Bacia do Paraná, em 2000.

São casos que aguardam perícia, como informou Saint Clair Honorato Santos, procurador de Justiça e Coordenador de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente do Estado.

Além da situação precária dos pescadores, não existe hoje conhecimento sobre os efeitos da poluição na região. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) identificou traços de organoclorados (entre os quais metais pesados) em botos que vivem na área.

Os mesmos animais têm sinais de hidrocarbonetos (petróleo). O estudo dos 400 botos que vivem no estuário é importante porque eles estão no topo da cadeia alimentar no ambiente marinho e, portanto, são acumuladores naturais de substâncias, já que se alimentam da fauna local. O mesmo peixe que alimenta o boto alimenta a população do estuário.

A reportagem do Estado tentou falar com a desembargadora Rosana Fachin, encarregada de mediar um acordo, mas não obteve retorno.