Título: Um drama brasileiro em chinês
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2007, Notas & Infotrmações, p. A3
O governo brasileiro quer atrair o investidor estrangeiro para empreendimentos produtivos, mas faz o possível para dificultar o investimento. Essa crítica tem sido feita por empresários chineses a seus colegas brasileiros e é um assunto bem conhecido no Conselho Empresarial Brasil-China. Os brasileiros da área empresarial podem apenas ouvir a reclamação e concordar. Eles têm as mesmas queixas e sabem melhor que ninguém como é caro e complicado investir no Brasil.
Pelo menos algumas autoridades conhecem a opinião chinesa sobre as dificuldades para aplicar capital de forma produtiva no País. Representantes do Ministério do Desenvolvimento têm participado de reuniões com empresários dos dois países. Mas as principais fontes de problemas estão em outras áreas do governo e algumas dessas têm desafiado com sucesso a autoridade do presidente da República. É o caso, por exemplo, dos condutores da política ambiental, habituados a agir como uma ONG no interior do governo.
Mas a absurda lentidão dos processos de licenciamento ambiental e as decisões de qualidade duvidosa compõem apenas uma parte - muito importante - do problema. Quando as barreiras ambientais são vencidas, o Tesouro público, em todos os níveis de governo, encarrega-se de tornar o projeto menos interessante, onerando com excesso de impostos e contribuições a compra de máquinas e outros equipamentos.
Quando, apesar de todos esses obstáculos, o empresário insiste em constituir uma empresa no Brasil, um novo problema aparece. Registrar o empreendimento pode consumir meses, porque as autoridades brasileiras dão mais importância ao ritual - quanto mais complicado, melhor - do que a resultados de interesse prático para a sociedade. O vício da burocracia inútil manifesta-se também, segundo os chineses, na concessão de passaportes para negócios.
Há, ainda, os custos associados às leis trabalhistas e previdenciárias, elaboradas para promover os interesses do trabalhador empregado, mas não para ampliar as oportunidades de quem não tem emprego. Os chineses têm bons argumentos a respeito do assunto, formulados com base em sua experiência, até hoje bem-sucedida.
Eles têm conseguido absorver nas atividades urbanas várias centenas de milhões de trabalhadores originários do campo. Se não fossem capazes de fazê-lo, por causa de uma legislação social detalhista e pesada para as empresas, nem teriam conseguido a mão-de-obra necessária para sua indústria em rápido crescimento nem teriam impedido a formação de uma camada urbana improdutiva e sensível aos apelos da criminalidade.
Todas essas questões têm sido postas sobre a mesa por empresários brasileiros, em várias ocasiões, e por empresários de fora interessados em produzir no Brasil. Os chineses têm sido muito claros na indicação desses problemas e dispõem de uma respeitável caixa de ressonância, o Conselho Empresarial Brasil-China, formado para a discussão de temas de interesse comum e para a busca de soluções necessárias para a cooperação bilateral.
As queixas foram retomadas nos últimos dias, em duas reuniões do Conselho Empresarial Brasil-China, uma em Dalian, por ocasião de um evento do Fórum Econômico Mundial, outra em Xianmen, onde foi aberta no fim de semana uma feira internacional de oportunidades de negócios, com participação do Brasil.
A maior parte desses temas compõe a velha e jamais cumprida integralmente agenda de reformas. Houve algumas mudanças importantes nos anos 90, indispensáveis para o controle da inflação e para a reconstituição de instrumentos básicos da política econômica. Sem aquelas inovações, o País não disporia de uma política monetária nem haveria na área fiscal aquele mínimo de ordem - insuficiente, mas indispensável - observado há alguns anos na política fiscal.
Mas a agenda é muito mais ampla e tem faltado coragem para cumpri-la. Nenhum país envolvido na globalização econômica pode ter sucesso com o sistema tributário brasileiro ou com o engessamento produzido por sua legislação social. Sem sucesso, não há criação de empregos nem suficiente inclusão dos pobres no mundo do trabalho produtivo. Programas de emergência, como o Bolsa-Família, não podem substituir políticas efetivas de crescimento econômico e de criação de empregos.