Título: PIB potencial e outros sofismas
Autor: Lacerda, Antonio Corrêa de
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2007, Economia, p. B2

A discussão sobre o Produto Interno Bruto (PIB) potencial da economia brasileira ganha dimensão. Trata-se da questão de a qual taxa a economia pode crescer sem gerar pressões inflacionárias. Inegavelmente, trata-se de uma questão relevante. A julgar pela análise de indicadores antecedentes, o ritmo atual de crescimento da economia brasileira aponta para um resultado superior a 5% este ano. A inflação deverá permanecer em torno de 4%, abaixo, portanto, do centro da meta de 4,5%.

O ponto da discussão é que há quem defenda que um crescimento superior a 4% da economia brasileira não seria sustentável, uma vez que seriam criadas pressões inflacionárias, cujo combate exigiria contração de crédito e elevação dos juros, interrompendo o ciclo de crescimento. Trata-se de um referencial neoclássico, segundo o qual primeiro é preciso criar as precondições para que, em um segundo momento, o crescimento se materialize.

A base para o crescimento se daria pela Produtividade Total dos Fatores (PTF), capital e trabalho. Apesar da sua inegável contribuição para a análise, o risco é que ela se transforme em uma premissa auto-realizável. Na medida em que todos se convencerem - governo, empresários e consumidores - de que há, de fato, um teto para o crescimento, por que as empresas, para citar o principal ponto, ampliariam o seu investimento além disso?

O contraponto, cuja inspiração é keynesiana, defende que a expectativa de crescimento da demanda é que vai motivar os investimentos necessários para que ela de fato se realize. A formação de poupança, ao contrário do que defende a economia neoclássica, não é um pré-requisito para o investimento e, em última instância, para o crescimento da economia. O aumento das vendas é que faz com que as empresas procurem atender ao crescimento da demanda, realizando, se preciso, novos investimentos. Em um quadro de relativa disponibilidade de opções de financiamento (bancos públicos, mercado de capitais, fundos, captações no exterior, etc.) e condições macroeconômicas favoráveis, o investimento necessário pode viabilizar-se sem grandes restrições.

O passado recente da economia brasileira ilustra bem esse dilema. Não deixa de ser sintomático que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tenha divulgado, no início deste ano, um pormenorizado trabalho de revisão de cálculo do PIB. Essa revisão, que abrangeu todos os dados dos últimos anos, nos informou que o crescimento médio anual da economia brasileira no período 2003-2006 foi de 3,2%, e não 2,5%, dado até então conhecido. Isso significa que todos os indicadores de PIB potencial baseados na informação anterior tiveram de ser revistos.

A revisão dos dados do PIB brasileiro também revelou que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o total dos investimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, era, na verdade, abaixo do que se previa. Em 2006, por exemplo, ficou em 16,8% do PIB, bem abaixo da anterior conhecida de 20,5%. Isso permite duas constatações. A primeira é que houve melhora na relação capital-produto, ou seja, foi possível crescer um pouco mais com menor esforço de investimento. A segunda constatação é que, se quisermos de fato suportar um crescimento continuado mais robusto da economia, não escaparemos, inexoravelmente, da premência de ampliar a FBCF.

Há ainda o velho dilema entre crescimento e inflação. Ainda prevalece, em alguns setores, a visão equivocada de que um pouco mais de inflação permitiria maior crescimento. Mas o desafio continua sendo o de preservar a relativa estabilidade de preços com as condições para o crescimento. No entanto, a despeito disso, não deixa de ser curioso que alguns dos mesmos analistas, que há dois meses criticaram a decisão do Conselho Monetário Nacional de manter em 4,5% a meta de inflação para 2008 e 2009, vêem agora fantasmas decorrentes do crescimento do nível de atividades.

Vale destacar que muitas das análises que relacionam crescimento versus pressão inflacionária se baseiam nos dados disponíveis sobre a utilização da capacidade instalada da indústria. Mas quem acompanha o assunto conhece as limitações desses indicadores. Ao serem questionadas sobre o grau de utilização da sua capacidade instalada, as empresas informam o nível de ocupação a partir da definição do total de horas trabalhadas. O número de turnos que pode ser ampliado, trabalhar ou não nos finais de semana, recorrer a horas extras ou a outros elementos não são considerados. Há ainda a questão dos ganhos de produtividade que podem ser impulsionados mediante automação ou outras pequenas inversões que permitem ampliar a capacidade produtiva, mesmo sem a realização de grandes investimentos.

Há ainda a questão das importações, que cada vez mais vêm ganhando espaço nas cadeias produtivas brasileiras, o que, por si só, representa opções a eventuais gargalos produtivos, o que só ocorre em nichos bastante específicos. Há, sim, gargalos de infra-estrutura e logística que precisam ser atacados com determinação. É o caso da energia, das estradas, do saneamento, dos portos, dos aeroportos e outros. Nada que realização de investimentos e incrementos de gestão não possam solucionar no médio prazo. Não convém, portanto, transformar o PIB potencial em um sofisma limitador, a priori, da capacidade de investimento e crescimento da economia.

*Antonio Corrêa de Lacerda professor doutor da PUC-SP, doutor em Economia pela Unicamp, é autor, entre outros livros, de Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil (Saraiva). E-mail: aclacerda@pucsp.br