Título: Conversa mole sobre impostos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2007, Notas & Informações, p. A3

Falta seriedade, para dizer o mínimo, à proposta do governo de criar um imposto sobre o faturamento para compensar uma redução do encargo previdenciário das empresas. Ou se trata de mais uma esperteza tributária ou de mera manobra para esticar a conversa e desviar a atenção do assunto essencial. A questão central é muito clara: a empresa brasileira, mesmo quando eficiente na produção, compete em desvantagem com a maior parte das estrangeiras por ser forçada a suportar um enorme peso fiscal.

A contribuição sobre a folha de salários é parte importante desse peso e afeta especialmente os setores mais dependentes de mão-de-obra. Essa desvantagem tornou-se mais sensível com o surgimento de grandes competidores orientais, como os chineses e indianos, muito menos onerados pelos encargos sociais.

O governo passou a dar maior atenção ao tema há alguns meses, quando se intensificou o debate sobre a renovação, por mais quatro anos, da CPMF. Com a crescente resistência do empresariado a essa renovação, ministros e altos funcionários federais tentaram desviar a discussão. Garantida a CPMF, cuidariam de encontrar uma fórmula para diminuir o custo fiscal da folha de pagamentos.

Mas a troca seria subordinada a mais uma condição: preservar a receita do governo. Não se trataria, portanto, só de manter o imposto sobre o cheque e de aliviar as empresas de uma parcela dos encargos sociais.

A fórmula apresentada pela Secretaria da Receita Federal envolveria a criação de um tributo de 4% sobre o faturamento, em troca da redução do encargo previdenciário de 20% para 10% da folha de salários.

Há um defeito imediatamente visível nessa proposta. O novo imposto seria mais um tributo em cascata, incompatível com qualquer esforço de modernização do sistema. A própria CPMF incide cumulativamente, mas essa é apenas uma de suas características negativas.

O defeito menos visível, mas igualmente importante, foi detectado com rapidez por empresas de consultoria citadas pelo jornal Valor: com aqueles 4% aumentaria a carga tributária da maior parte das empresas. Não haveria, portanto, compensação em termos fiscais.

Segundo técnicos dessas consultorias, a inovação só seria vantajosa se a folha de salário correspondesse a pelo menos 40% do faturamento. Isso é raro mesmo em setores com uso intensivo de mão-de-obra, como o de vestuário. Mesmo para o de calçados não haveria redução da carga.

A proposta, portanto, não é para ser levada a sério. Além disso, o setor privado tem má lembrança de outras mudanças e fortes motivos para desconfiar das propostas oficiais. A arrecadação do PIS e da Cofins cresceu, depois de as duas contribuições terem sido transformadas em não cumulativas.

Se quisesse tratar do assunto seriamente, o governo teria de abandonar a idéia de manter - ou de elevar - o peso dos impostos. Mas a condição prévia de toda conversa sobre alteração de impostos e contribuições é sempre a mesma: não se pode renunciar a um único centavo da arrecadação federal.

Esse princípio orientou, até ontem, a tramitação do projeto de renovação da CPMF. Chegou-se a mencionar, em Brasília, a hipótese de uma redução progressiva da alíquota para se garantir a aprovação. Mas essa conversa não avançou. O relator do projeto na Comissão Especial da Câmara, deputado Antonio Palocci, decidiu manter no texto a alíquota de 0,38%. O anúncio foi feito depois de uma reunião de líderes governistas com o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Os argumentos a favor da política oficial vêm sendo repetidos sem variação pelo ministro da Fazenda e pelos aliados: a CPMF é essencial para a manutenção dos programas sociais e, se a sua arrecadação diminuir, o governo será forçado a reduzir suas ações em áreas importantes como educação e saúde.

O argumento é evidentemente falso. Mesmo sem a CPMF, o governo poderia realizar programas sociais de grande alcance, mas para isso precisaria conter o desperdício e frear a expansão do custeio improdutivo. Isso as autoridades não se dispõem a fazer, até porque o empreguismo e o desperdício são componentes de sua estratégia de poder. O resto é conversa.