Título: Por que a carga tributária cresce?
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2007, Economia, p. B2
O governo alega que o forte aumento da arrecadação tributária federal deste ano decorre do crescimento econômico, pois não houve elevação das alíquotas dos impostos e nem criação de novos tributos. O problema é que um cálculo feito pela Receita Federal do Brasil (RFB), e que foi incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2008, não confirma essa argumentação.
A RFB estima que para cada ponto porcentual de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB), a receita tributária federal cresce apenas R$ 2,4 bilhões. Se a expansão do PIB este ano for de 5%, a arrecadação federal por conta do crescimento subirá R$ 12 bilhões.
A RFB estimou também o impacto da inflação, da taxa de câmbio e da taxa de juros sobre a arrecadação federal e do salário mínimo sobre a receita do INSS (ver tabela abaixo). Mas não calculou o impacto do crescimento do emprego e da formalização da mão-de-obra sobre a arrecadação do INSS. Computados todos os fatores, a receita tributária federal (excluída a do INSS) aumentaria cerca de R$ 22,5 bilhões, admitindo-se uma inflação de 4% este ano, uma queda de 2 pontos porcentuais na taxa de juro e valorização do real em 2007.
Ocorre que a receita dos tributos administrados pela RFB crescerá R$ 46,07 bilhões este ano, excluída a arrecadação do INSS, segundo estimativa que consta do relatório de avaliação de receitas e despesas referente ao terceiro bimestre. O relatório diz que a receita, líquida de restituições, atingirá R$ 405,07 bilhões este ano. Em 2006, ela ficou em R$ 359 bilhões.
Haverá, portanto, um incremento de R$ 23,57 bilhões (R$ 46,07 bilhões menos R$ 22,5 bilhões) na arrecadação federal estimada para este ano que não decorre do crescimento econômico, nem da inflação, nem da taxa de juros e nem do câmbio. 'Ou o cálculo da Receita Federal está errado ou a argumentação de que a receita adicional decorre apenas do crescimento está equivocada', disse o economista José Roberto Afonso, em conversa com este colunista. Ele foi o primeiro a alertar para a incompatibilidade entre o cálculo da RFB e a arrecadação observada este ano. Afonso fez sua crítica, na semana passada, durante debate na Comissão Especial da Câmara que analisou a prorrogação da CPMF.
Se o cálculo da RFB está correto e se não houve aumento de alíquotas dos impostos, a elevação da carga tributária passa a ser um mistério. Mas como os milagres são raros, é preciso encontrar explicação nos fatos. Uma das explicações é que a alegação do governo de que não houve aumento de alíquotas dos tributos não é verdadeira.
A arrecadação do Imposto de Importação (II) cresceu 21,7% de janeiro a julho deste ano em relação ao mesmo período de 2006. Esse resultado decorreu do aumento das importações e da elevação de 3,66% na alíquota média efetiva deste imposto, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. A RFB informa também que houve um aumento médio de 30% da alíquota do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) que incide sobre o fumo, a partir de julho deste ano. Afonso estima que a elevação do Imposto de Renda na fonte decorreu, em grande parte, dos aumentos de salários concedidos pelo governo e da criação de novos cargos, com altas remunerações, na administração federal. Além disso, ele acredita que as medidas de desoneração tributária anunciadas pelo governo não ocorreram na prática, pelo menos não na intensidade alardeada pelo governo. Afonso considera que, durante a regulamentação dessas medidas, a RFB pode ter reduzido a amplitude dos benefícios, ao editar suas instruções normativas.
Os técnicos desconfiam também que a arrecadação de alguns tributos pode ter sido intensificada pela interpretação da legislação dada nas instruções normativas da RFB. Além disso, é preciso registrar que houve um aumento da eficiência da RFB no combate à sonegação.
Para Afonso, o importante não é identificar as causas da forte elevação da arrecadação, mas as conseqüências. 'Qualquer que seja a causa, o fato é que a receita tributária está crescendo em ritmo mais rápido do que a produção', disse. 'Com isso, a renda disponível do setor privado está diminuindo, o que inibe os investimentos e o crescimento'.