Título: O avanço do PIB e o andar da carruagem
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2007, Economia, p. B2

As notícias sobre o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) na semana passada surgiram na companhia das notícias sobre a grande queda da Produção Nacional de Ética na Política (PNEP) provocada pelo score acachapante de 46 votos contra 35 a favor da absolvição do ínclito senador Renan Calheiros - incluídos os 6 votos dos que, com vergonha de votar pela absolvição, na prática o absolveram, abstendo-se de votar, dobrados pela liderança iluminada do mais novo membro da centúria do atraso, o senador Aloizio Mercadante. 'Minha abstenção é um gesto de quem gostaria que essa investigação fosse concluída', proclamou ele, numa das mais vergonhosas e canhestras justificativas já ouvidas na História do Brasil. Beau geste!!

O Ali Babá, que se encontrava em périplo europeu, enquanto os seus 40 tentam escapar das garras da Justiça no STF, se apressou em proclamar que 'o importante é o Senado voltar a funcionar'. Assim, a Nação pára de lamber a ferida da sua moral e levanta os olhos para o luminoso horizonte que ele acha que está construindo. Errado, como sempre. O importante não é isso. O importante seria o Senado impor a si próprio uma limpeza ética definitiva, pois 'por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa loucura? A que extremos se há de precipitar a audácia sem freios'? (Cícero, Primeira Catilinária, 8 de novembro de 63 a.C.).

Mas, se já lá vão 2.070 anos que a política decepciona e frustra dessa maneira as pessoas de bem em favor dos malfeitores - chamem-se eles Catilina, Renan ou Aloizio -, nos alegremos apenas com as boas novas sobre o PIB.

Pelo menos da maneira como foram 'manchetadas' no Estado podem até lavar a alma do mais pessimista: Puxado pela demanda interna, PIB cresce 5,4% no 2º trimestre; Indústria sobe 6,8% e lidera expansão; Emprego segue PIB e bate recorde; Consumo das famílias cresceu 5,9% no semestre; Empresas estão rachando de ganhar dinheiro (Paulo Bernardo); etc. e tal.

Mas como atrás de toda boa notícia econômica sempre se esconde uma malfadada apreensão, será que isso aí tudo não vai provocar, adiante, um tremendo surto inflacionário? Celso Ming, que nunca cultivou fama de otimista, nos tranqüilizava, porém, na sua coluna de quinta-feira (13/9, B2) e com um bom argumento: a produção industrial está crescendo mais do que o consumo das famílias, o que significa que não deverá haver pressão da demanda suficiente para que o comércio e a indústria se lancem a gordos reajustes de preços. Além disso, o perigo de um surto inflacionário pode ser enfrentado com nova rodada de alta dos juros, com enxugamento da liquidez e do crédito, coisas que as rédeas do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central e do Ministério da Fazenda, providenciarão, se necessário for.

Portanto, pelo andar da carruagem, o PIB brasileiro pode fechar o ano com crescimento de 5%. Arrisco dizer, até mais do que isso, sem grande perigo. O que autoriza o governo a festejar, sim senhores.

Todavia a economia brasileira não é um veículo moderno rodando numa rodovia com acabamento alemão. É mais uma carroça meio desengonçada, com suas peças sacolejando de maneira desconfortável. Os buracos maiores no caminho da carroça, à medida que ela ganhe velocidade, são os 'apagões'.

O do fornecimento de energia elétrica já está previsto pelos especialistas e pouca coisa se poderá fazer para evitá-lo em tempo hábil e quase nada este governo tem feito. O do transporte aéreo está todos os dias nos jornais, os aeroportos mais importantes do País mal dão vazão ao movimento atual, que dirá se a economia começar, de fato, a crescer mais do que 5% ao ano, e também não há tempo hábil para se ampliar a capacidade antes que eles congestionem de vez. Dos aeroportos podemos passar para as rodovias. Algumas poucas, sob concessão privada, têm até capacidade ociosa. Mas a maioria está no limite e, além disso, a maior parte das cargas não é gerada às margens das boas estradas. Para se chegar a elas têm de transitar por inqualificáveis caminhos, até mesmo no Estado melhor equipado do País, que é São Paulo. As estradas vicinais e municipais desafiam a habilidade do melhor dos caminhoneiros e, se o ritmo da economia aumentar, o ritmo do atravancamento das cargas aumentará em proporção ainda maior. Não podemos esquecer dos portos que já estão travando o crescimento das exportações, e não só por insuficiência física, mas sobretudo pela desordem nos órgãos da administração pública que neles habitam, cujos funcionários se comprazem em greves cada vez mais numerosas e mais prolongadas. De quanto tempo o governo dispõe para promover a capacitação física dos portos e corrigir sua asfixia burocrática, se, por acaso, estiver disposto a trabalhar?

Vamos falar sério: a única coisa, no Brasil, que anda com o ritmo que as coisas exigem hoje no mundo, e até mais rápido, é a telefonia, fixa ou móvel, inteiramente privatizada. O telefone celular é hoje uma espécie de pãozinho francês. E rende uma 'baba', como diz o povo, para o governo, sem que este entre no negócio a não ser com papel timbrado e caneta para assinar autorizações. Comunicação é muito importante para a economia, amplia, facilita e dinamiza os negócios privados e públicos. Mas não desatravanca a rede física por onde os negócios circulam e são de fato concluídos, por onde as coisas negociadas são entregues. Podem-se fechar muito mais negócios pelo telefone celular e pela internet. E quanto mais negócios forem fechados por estes meios, mais congestionadas ficarão as vias aéreas, as rodovias, as ferrovias e os portos para que os negócios fechados sejam concluídos. O que os torna muito mais caros.

Então, palmas para o PIB de 5% e vaias para a inoperância de quase 100% da administração do senhor Lula, cujo esforço para salvar aliados é inversamente proporcional ao despendido para aparelhar o Brasil.

*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha @grupoestado.com.br