Título: Por que cresce, por que não cresce
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2007, Economia, p. B2

A semana passada trouxe boa ilustração do que vai bem e do que vai mal na economia brasileira. No lado bom, a informação do IBGE sobre a aceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano. Mais importante, porém, é a observação de que o Brasil, graças à estabilidade macroeconômica, já tem uma capacidade de crescimento superior à média dos anos 80 e 90. O lado ruim da história ficou demonstrado pela batalha da CPMF: o governo lutando para salvar um imposto ruim, simplesmente porque precisa dos R$ 40 bilhões ao ano para aumentar mais ainda seus gastos. Esses gastos excessivos (e inadequados) do setor público, mais a carga tributária cada vez mais elevada para financiá-los, bloqueiam a entrada em um período de longo e firme crescimento.

Pode parecer estranho falar de estabilidade na semana em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central alertou sobre a emergência e a disseminação de pressões inflacionárias. Mas reparem no tamanho do problema: a expectativa de inflação anualizada está passando da faixa entre 3,5% e 4% para algo acima dos 4%, porém ainda abaixo dos 4,5% que é o centro da meta para este e o próximo ano. Está bom, não é mesmo?

Do mesmo modo houve uma certa decepção com os resultados do PIB, que vieram abaixo da média dos prognósticos. Mas de novo: esperava-se uma expansão de 5,9% no segundo trimestre de 2007 em comparação com o mesmo período de 2006. Deu 5,4%. O resultado está bom, não?

A base principal desse ambiente é o controle da inflação. Isso significa uma inflação corrente em torno dos 4% ao ano e, sobretudo, a convicção generalizada de que o Banco Central tem capacidade e poder para manter as expectativas inflacionárias dentro da meta.

Daí vem a expansão do crédito, por exemplo. Vende-se um automóvel hoje em 80 prestações fixas. Está em curso um verdadeiro boom imobiliário, com empréstimos de 20 a 25 anos. O crédito concedido para a compra da casa própria deve passar dos R$ 12 bilhões neste ano, seis vezes mais do que o valor emprestado em 2002.

Claro que, especialmente nos negócios imobiliários, o setor foi turbinado por mudanças legais e institucionais que deram mais segurança ao crédito. Mas a base de tudo, a condição necessária, é a moeda estável e as expectativas ancoradas.

Em resumo, a política monetária do Banco Central, sustentada no regime de metas de inflação, implantado em 1999, é, sim, um claro sucesso. Podem reparar: o Copom está entregando, ao mesmo tempo, inflação na meta, com juros em queda (já são os menores da era do real), e PIB em alta. Mais amplamente, a política macroeconômica - sustentada em metas de inflação, câmbio flutuante e controle das contas públicas (com superávits primários para pagar juros e reduzir o endividamento) - é, sim, um claro sucesso.

Foi mérito do governo Lula ter mantido e até aperfeiçoado aspectos dessa política, antes acusada de ser neoliberal. A partir dessa base, Lula contou com duas enormes doses de sorte.

A primeira foi um efeito positivo da globalização. Do final de 2002 para cá, a economia global engatou um período de crescimento que é simplesmente o mais espetacular de todos os tempos. Foi isso que permitiu a decolagem das exportações mundiais e, na onda, das brasileiras. As vendas trouxeram os dólares que o Banco Central comprou para formar as reservas de US$ 165 bilhões, valor seguro contra as crises externas.

A segunda grande sorte foi o regime de chuvas. Isso manteve cheios os reservatórios das usinas hidrelétricas e garantiu a energia necessária a um crescimento mais vigoroso.

De certo modo também nasce desse ambiente benigno o lado ruim do momento atual. Animado com o sucesso e com os cofres cheios de impostos, o governo desandou a gastar. E basicamente no quê? Em pessoal, na Previdência (com os seguidos aumentos reais do salário mínimo), no custeio de uma máquina cada vez mais inchada e nos programas de assistência social, incluído o Bolsa-Família. Todos esses gastos têm aumentado acima da inflação e acima do crescimento real da economia. Ou seja, a cada ano aumenta o peso do setor público, peso sustentado pelos impostos pagos pelas pessoas e empresas.

Lula orgulha-se desses gastos. Disse que precisava mesmo contratar pessoal para melhorar os serviços públicos. E que os programas sociais, inclusive o salário mínimo, constituem sua maior obrigação. ¿O mais importante é a gente dar comida para a parte mais necessitada do povo brasileiro¿, disse ele. Eis por que o governo quer manter os R$ 40 bilhões arrecadados pela CPMF e prevê mais aumento de impostos para o ano que vem: tudo para continuar aumentando o gasto público.

Mas, em primeiro lugar, não se notam avanços notáveis na qualidade dos serviços prestados ao público. Além disso, o Brasil, país jovem e de renda média, gasta hoje com Previdência o equivalente a 12% do PIB, nível de países velhos e ricos, como a Itália e a Alemanha. E, quanto aos programas sociais - o governo dar dinheiro às pessoas -, isso é uma demonstração da falta de dinamismo de um país, de sua incapacidade em educar a mão-de-obra e gerar empregos. Perdurando, esse atraso torna a assistência uma necessidade permanente, quando deveria ser uma ação emergencial.

A China não dá comida, não tem Bolsa-Família nem uma Previdência pública. Seu governo arrecada menos impostos, gasta menos (em relação ao tamanho da economia), mas investe pesadamente na educação e na infra-estrutura. Isso e mais os investimentos privados tiram milhões de pessoas da pobreza todos os anos.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Site: www.sardenberg.com.br