Título: Internet converte-se em arsenal e campo de batalha dos terroristas
Autor: Barba, Mariana Della
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2007, Internacional, p. A16
Jihadistas usam a rede para revolucionar estratégias de comunicação, propaganda e recrutamento de militantes
Com a invasão do Afeganistão em 2001, muitos terroristas perderam suas bases e tiveram de fugir. Foram para um território amplo, sem lei, pouco vigiado e cheio de 'armas' para que continuem a disseminar sua doutrina e a recrutar novos jihadistas: a internet. A diferença entre esse novo território e as montanhas afegãs é que fuzis, granadas e metralhadoras foram substituídos por e-mails, fóruns, fotos e vídeos digitais. 'A internet é um dos arsenais mais poderosos que um terrorista pode obter', disse ao Estado Adam Raisman, analista do Site (The Search for International Terrorist Entities), instituto americano que monitora sites terroristas. Beneficiando-se do anonimato e do alcance da rede, jovens extremistas aproveitam o mundo online para inflamar a jihad real.
Na mão de grupos como a Al-Qaeda, a internet tem várias funções. A principal delas, dizem especialistas, é o doutrinamento, que corresponde a 60% do material disponível em sites terroristas. Se antes as mensagens eram difíceis de ser gravadas e tinham pouco alcance, hoje são feitos vídeos com câmeras de celular, que são divulgados na rede para milhares de aspirantes a terroristas. A Al-Qaeda, por exemplo, envia boletins online a seus seguidores há mais de dois anos.
O ciberespaço também ajuda os terroristas a se comunicar, a divulgar a 'guerra santa' e a recrutar e treinar novos rebeldes.
Os extremistas têm basicamente dois objetivos ao usar a internet: divulgar o terrorismo e financiá-lo. No primeiro, espalham ideais jihadistas criando sites, enviando e-mails cifrados e postando mensagens em fóruns controlados por rebeldes. 'É impossível saber quantos desses sites existem. Mas alguns fóruns que acompanhamos têm milhares de pessoas, e o número de participantes cresce diariamente', diz Raisman.
Para fugir do monitoramento, eles também costumam deixar mensagens em sites insuspeitos, como os de culinária ou jardinagem. 'Os jihadistas têm mostrado grande perspicácia no que se refere à segurança digital, aos métodos para permanecerem anônimos online e à transmissão de dados cifrados', explica Raisman. Ele cita um e-book chamado O Mujahedin Técnico, que explicava como usar programas para enviar mensagens codificadas em textos ou imagens.
O treinamento dos rebeldes também passou por uma revolução com a internet: agora, estão disponíveis online manuais que ensinam a manejar metralhadoras, construir carros-bomba e piratear sites. Essas espécies de escolas virtuais terroristas teriam ajudado, por exemplo, médicos muçulmanos britânicos a preparar os carros-bomba usados nos frustrados planos de atentados em Londres e Glasgow em junho.
Como na maioria são jovens e até adolescentes, os ciberterroristas acompanham as novidades da internet. Tanto que já lançaram até um ataque no Second Life - espécie de ambiente virtual no qual as pessoas podem criar personagens e interagir entre si - e criaram um game chamado A Noite da Captura de Bush. Um jihadista virtual preso há dois meses em Londres estava prestes a estrear um site para concorrer com o YouTube, o www.youbombit.com.
Quando o objetivo é ganhar dinheiro para financiar a jihad, eles lançam mão dos temidos ciberataques. Suas táticas aproximam-se das usadas por hackers chineses que, nos últimos meses, teriam invadido o Pentágono, e sistemas dos governos alemão e britânico.
Para roubar dados de cartão de crédito, os ciberjihadistas enviam e-mails e criam sites falsos - na maioria das vezes, imitando o de grandes bancos. Para 'lavar' o dinheiro roubado, eles usam os dados do cartão para apostar em cassinos online.
O dinheiro obtido nos jogos é depositado em suas próprias contas bancárias e usado para fazer compras online. A lista dos terroristas inclui itens para facilitar o lançamento de ataques na vida real: coletes para suicidas, binóculos de visão noturna, celulares e passagens aéreas.
Analistas concordam que os ciberterroristas já conseguiram várias proezas na internet. A maior delas é fazer com que sua mensagem alcance, por exemplo, ingleses, suecos ou americanos que nunca teriam contato com o terrorismo e muito menos entrariam para a jihad, se não fosse a internet. Muitos rebeldes virtuais acabam passando para o combate real, no Iraque ou Afeganistão.
Sem nunca ter encostado em armas, os ciberjihadistas transformaram-se em peças importantes na estrutura de redes terroristas. Aos 23 anos, o britânico de origem marroquina Younes Tsuoli foi crucial na reconstrução da Al-Qaeda. De sua casa em Londres, ele colocava na rede mensagens e vídeos de Abu Musab al-Zarqawi, o líder do braço do grupo no Iraque, morto em 2006.
Sentenciado a 10 anos em julho, Tsuoli é tido como o pai das novas táticas terroristas online. E é o próprio Ayman al-Zawahiri, o número 2 da Al-Qaeda, que dá a medida do potencial das táticas. 'Mais da metade dessa guerra é travada no campo da mídia', disse ele. Do outro lado da batalha, governos e instituições privadas investem no chamado 'contraciberterrorismo'. Para Raisman, rastrear sites e tirá-los do ar é inútil, já que eles logo reaparecem. 'O melhor jeito de combater o terrorismo online é conhecer as atividades dos jihadistas.'