Título: Em Israel, a derrota foi de Sharon
Autor: Kresch, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2007, Internacional, p. A18

Matança tornou-se uma mancha no passado do ex-primeiro-ministro

Em Israel, ninguém sofreu mais as conseqüências de Sabra e Chatila do que o ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, na época um político em ascensão que ocupava o respeitado cargo de ministro da Defesa. A repercussão do massacre entre os israelenses e pelo mundo levou Sharon a uma espécie de ostracismo político de quase 15 anos.

O episódio transformou Sharon na encarnação do 'mau' para o mundo árabe e em sinônimo de vergonha nacional para boa parte dos israelenses. Até hoje, a maior demonstração pública já realizada em Israel foi a chamada 'Manifestação dos 400 mil', em Tel-Aviv, poucos dias depois do massacre, quando centenas de milhares de pessoas exigiram a renúncia dos envolvidos.

Dez dias depois do massacre de Sabra e Chatila, o gabinete do então premiê Menachem Begin estabeleceu uma comissão de inquérito para investigar o comportamento das cúpulas militar e política durante o incidente.

Cinco meses depois, em fevereiro de 1983, a chamada Comissão Kahan (comandada pelo presidente da Suprema Corte, Yitzhak Kahan) concluiu que, apesar do envolvimento indireto do Exército no massacre, Ariel Sharon tinha 'responsabilidade pessoal' pelo ocorrido. Segundo a comissão, ele falhou na prevenção das mortes de centenas de civis palestinos nos dois campos de refugiados. A comissão recomendou a demissão de Sharon, o que foi aceito por Begin.

Depois de Sabra e Chatila, Sharon continuou como parlamentar e ocupou diversos ministérios, mas nenhum com o peso da pasta da Defesa.

Conhecido como 'pai' dos assentamentos judeus em territórios palestinos, sua popularidade se manteve em alta entre grupos de direita, entre eles o partido que ajudou a fundar, o Likud. Mas Sharon era carta fora do baralho quando se tratava de concorrer à liderança do país.

REABILITAÇÃO

A reabilitação política do ex-general começou em 1996, quando o então premiê e colega de Likud, Benjamin Bibi Netanyahu, nomeou Sharon como ministro das Relações Exteriores. Três anos depois, em 1999, ele tomou de Bibi a liderança do Likud. O que parecia impossível uma década e meia antes aconteceu em 2001: Sharon foi eleito premiê após o fracasso de Ehud Barak nas negociações de paz em Camp David e o começo da segunda Intifada (revolta palestina contra Israel), em setembro de 2000.

A reviravolta de Sharon é atribuída a dois fatores. Primeiro, uma mudança dramática na opinião pública por causa da segunda Intifada. Cansados de acordos de paz sem resultados e da sucessão de ataques terroristas em cidades como Jerusalém e Tel-Aviv, os israelenses deram uma guinada para a direita, exigindo ações linha-dura contra os radicais palestinos.

O segundo fator foi uma mudança na imagem pessoal de Sharon. Com ajuda de publicitários, ele foi reapresentado ao público como uma espécie de 'avô' simpático, com muita experiência de vida e, principalmente, de luta.

Com a popularidade em alta, Sharon assumiu o controle do país em março de 2001. Em 2003, surpreendeu a esquerda e a direita ao anunciar a retirada total israelense da Faixa de Gaza, passo recebido com elogios pela comunidade internacional. Mas, no auge da carreira, ele sofreu um acidente vascular cerebral, em janeiro de 2006.

Em coma até hoje, Sharon ainda tem Sabra e Chatila como mancha no currículo. Entretanto, pelo menos em Israel, conseguiu retocar sua imagem e entrar para a história como um dos mais populares primeiros-ministros que o país já teve.