Título: Alerta no mundo rico
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/09/2007, Notas & Informações, p. A3

O Fundo Monetário Internacional (FMI) deverá divulgar, em outubro, suas novas estimativas para a economia global. As projeções para 2008 deverão ser revistas para baixo, mas o novo cenário não será o de um desastre. A economia mundial continua com boa saúde, disse o diretor-gerente do Fundo, Rodrigo de Rato, em uma entrevista ao Financial Times. Segundo ele, isso poderá atenuar os efeitos do ajuste nos mercados financeiros. O ajuste vai doer, advertiu, mas será tolerável e salutar, depois dos excessos que ocasionaram a crise no mercado imobiliário norte-americano.

O presidente do Banco da França, Christian Noyer, também resolveu exibir otimismo. A economia francesa poderá manter neste semestre um crescimento equivalente a 2,5% ao ano, afirmou, citando uma estimativa do Eurosistema, a principal fonte de estatísticas da zona do euro. Segundo Noyer, o crescimento francês poderá até se acelerar, porque a política de controle da inflação criou condições seguras para uma expansão maior da atividade.

Altos funcionários nacionais e internacionais, como Christian Noyer e Rodrigo de Rato, disputam espaço nos jornais com analistas mais propensos a uma avaliação sombria das condições da economia global. Os menos otimistas têm recebido de fontes oficiais material suficiente para construir um cenário mais preocupante. Em agosto, o número de empregos foi reduzido na economia americana pela primeira vez em quatro anos. A redução de 4 mil postos pode parecer pequena, mas basta para criar o temor de uma inversão de tendência. Além disso, o Departamento do Trabalho reviu para menos o número de postos criados nos dois meses anteriores.

Também no Japão surgiram dados preocupantes. Uma revisão dos números indicou que o Produto Interno Bruto (PIB) japonês diminuiu no segundo trimestre, para uma taxa equivalente a 0,5% ao ano. As estatísticas divulgadas anteriormente apontavam um crescimento anualizado de 1,0%. Os novos dados tornam menos provável, segundo analistas, o crescimento de 2,0% projetado pelo Banco do Japão para o ano fiscal. A redução do PIB resultou principalmente de uma queda do investimento. O ministro das Finanças, Fukushiro Nukaga, tentou tranqüilizar os mercados, dizendo que nenhuma alteração fundamental ocorreu e que a economia continua em bom estado, com o consumo em expansão moderada e as grandes empresas apresentando bons lucros.

Otimismo e pessimismo à parte, os analistas estão diante de uma coincidência nada desprezível. Os novos sinais negativos provêm da primeira e da segunda maiores economias do mundo. A recuperação japonesa, depois de mais de uma década de estagnação, havia sido saudada como uma das melhores notícias dos últimos anos. Essa reativação adicionaria um poderoso impulso à produção mundial, até então dependente dos Estados Unidos e, em menor proporção, da China. As economias chinesa e indiana continuam dando sinais de vigor, mas dependem, em grau considerável, da prosperidade ocidental, especialmente da americana.

Ninguém usou ainda a palavra mais temida - recessão - e alguns a mencionam simplesmente pela inicial, como se fazia antigamente com o nome de algumas doenças. Nada, até agora, aponta para o risco de um desdobramento tão grave. Mas não há como descartar a hipótese de um enfraquecimento da economia real, em conseqüência do ajuste dos mercados financeiros, especialmente do sistema de crédito. O risco de contágio da economia real já foi admitido pelo Federal Reserve, o banco central americano, e esse reconhecimento foi acompanhado da promessa de adaptação da política monetária, se isso for necessário para evitar conseqüências mais graves. O próximo passo, segundo a avaliação dominante nos mercados financeiros, será uma redução dos juros básicos nos Estados Unidos.

É imprudência, diante desses dados, imaginar o Brasil como uma ilha de felicidade, a salvo de turbulências mais sérias. Acostumado a surfar na onda de crescimento mundial, o governo brasileiro deveria, para variar, pensar nas melhores táticas para enfrentar um cenário externo adverso. Se nada mais grave ocorrer, tanto melhor. Mas, nesta altura, a atitude menos custosa é preparar o País para enfrentar o pior.