Título: Juro - corte também no Brasil?
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/09/2007, Espaço Aberto, p. A2

A queda de 0,5 ponto porcentual (p.p.) da taxa básica de juros dos EUA, que caiu para 4,75% ao ano - menos de metade da brasileira, de 11,25% -, levou os mercados financeiros à euforia. Na seqüência, alguns analistas brasileiros passaram a apostar que o Banco Central (BC) também baixará sua taxa básica na próxima reunião do seu Conselho de Política Monetária (Copom).

É interessante ver como as apostas nesse sentido oscilaram quase diariamente desde quarta-feira da semana passada (12/9), quando surgiram as estatísticas do PIB do segundo trimestre deste ano, que mostraram um crescimento um pouco abaixo do esperado e forte aumento de investimentos que expandem a capacidade produtiva da economia. Isso elevou as apostas de que o BC continuaria a reduzir os juros, pois aliviaria a preocupação com o efeito inflacionário de uma demanda cuja expansão estaria pressionando o limite dessa capacidade produtiva. Note-se que o terceiro trimestre já caminha para o final, e houve gente olhando apenas para o segundo.

No dia seguinte veio a ata da última reunião do Copom, esfriando essa expectativa. Ao esclarecer por que a taxa foi reduzida em apenas 0,25 p.p. - e não 0,50 p.p., como vinha ocorrendo -, revelou que o Copom também pensou em não realizar redução alguma e deixou clara a preocupação com dados bem mais recentes, de inflação em alta e demanda em aceleração.

Mas, com a queda da taxa americana, as apostas em nova redução da brasileira voltaram a subir, sendo uma das razões o fato de que a diferença entre esta e aquela aumentou, ampliando assim a atratividade de investimentos financeiros no Brasil. Sua vinda mais forte diminuiria a taxa de câmbio em reais por dólar o que contribuiria, via redução dos preços em reais de produtos transacionados com o exterior, para aliviar pressões inflacionárias com que o BC se preocupa.

Ora, esse efeito seria um entre outros no andar da carruagem da inflação brasileira, ao mesmo tempo que são diversas as condições econômicas e institucionais em que atuam os bancos centrais dos dois países.

O dos EUA, conhecido como Fed (Federal Reserve), tem mandato dual, pois lhe cabe atuar sobre a inflação e também buscar o crescimento que se deseja para a economia. No Brasil, o BC só quer saber de inflação, e o PIB que se dane. Aliás, fica até assustado quando este caminha na direção do desejável. Na sua linha, o Fed, embora ainda preocupado com a inflação nos EUA, que cai, mas não tanto como deseja, entendeu que no momento o fundamental é conter desdobramentos da crise financeira originada nos financiamentos imobiliários de segunda linha naquele país, e evitar que sua economia reduza ainda mais seu crescimento. Este veio de 3,2%, em 2006, para cerca de 2% em 2007. Ou até abaixo disso, como indicam previsões que já alcançam 1,8%.

Sobre a decisão do Fed se pode dizer que é boa para os EUA e para o Brasil, pois, se o crescimento daquele país continuar caindo, isso ampliará seus reflexos sobre a economia mundial e seu comércio, em forte expansão desde 2003. Foi essa expansão que trouxe ao Brasil uma onda de oportunidades que é a grande responsável pelo maior crescimento recente do PIB brasileiro, apesar dos esforços em contrário do governo federal. Este, em lugar de buscar mais crescimento via ampliação também dos seus próprios investimentos, como os em infra-estrutura, desequilibradamente promove uma orgia fiscal em que amplia gastos de pessoal e de custeio da máquina, bem como crescentes despesas de previdência e assistência social. Tudo isso custeado por maior carga tributária, que desestimula os investimentos privados. E mais: essa gastança agrava a inflação.

Conforme jornais de ontem, no meio dessa insensatez o Grupo de Conjuntura do Ipea, uma ilha de lucidez dentro do governo federal, defendeu contenção dos gastos públicos para enfrentar o aumento da inflação. Aliás, será um desalento se forem confirmados rumores de que o governo pretende calar essa voz, pois prefere escutar só as maravilhas que vê e apregoa por si mesmo.

Na verdade, nossa economia é uma nau com rumo e velocidade ditados principalmente pela economia mundial. Quem conduz o navio não tem seu próprio rumo e não consegue retificar o motor fragilizado por erros passados, além de contribuir para agravá-los. E se passar essa boa onda, como ficará?

A decisão do Fed não elimina esse risco. Seu presidente afirmou que seria tomada com base nas ¿mais recentes entre as últimas informações¿. Se veio a redução de 0,5 p.p. em lugar da esperada, de 0,25 p.p., pode ser que essas informações tenham mostrado um quadro econômico ainda mais grave. Mas pode ter sido uma opção oferecida pela arte da política econômica, a de carregar na dosagem inicial para que produza impacto mais rápido e permanente.

Torço para que continue a boa onda que vem de fora. Olhando aqui dentro, contudo, a preocupação imediata é também com os rumos da inflação e da política de juros, diante de um quadro de crescimento e de inflação que segue direção contrária ao que se observa nos EUA. E, ainda, diante de um BC com mandato único para sua política monetária, e sem a ajuda da política fiscal do governo a que pertence. E, pior, atrapalhado por ela.

Nesse cenário, se o BC, conforme se espera, continuar rezando pela sua cartilha, o mais provável é que interrompa a queda da taxa básica de juros, a menos que venha alguma grande novidade ainda fora do seu radar, que pode ser também uma a recomendar uma elevação. Assim, não será pela arte do BC que o motor da economia terá melhor desempenho, e este poderá até piorar se a inflação se mostrar ainda mais alta e resistente.

* Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Excepcionalmente, o artigo de Demétrio Magnoli será publicado amanhã.