Título: O entra-e-sai à espera do STF
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2007, Notas & Informações, p. A3

Nesta semana pode o mundo vir abaixo, mas aos políticos brasileiros só interessa o calendário eleitoral - eles têm até o próximo domingo, dia 30, para mudar de partido e até a quinta-feira seguinte, 4 de outubro, para estar filiados a alguma sigla, caso pretendam se candidatar a prefeito ou vereador na eleição marcada para 5 do mesmo mês de 2008. Sob a pressão dos prazos, a coalizão governista acionou a plena carga os seus deslavados mecanismos de cooptação nas Casas Legislativas do Congresso Nacional, dos Estados e municípios mais importantes.

Desde o pleito do ano passado, 42 parlamentares federais (25 da oposição) viraram casaca - alguns mais de uma vez. Calcula-se que 21 outros completarão o vexaminoso entra-e-sai. Entre eles, 3 senadores do DEM (o baiano César Borges, o goiano Demóstenes Torres e o paulista Romeu Tuma) poderão se bandear para a base lulista. Pelo projeto aprovado na Câmara em meados de agosto que instituiu o que merece ser qualificado como fidelidade partidária relativa, convencionou-se que setembro será o mês da traição consentida, quando o ano seguinte for eleitoral - portanto, um setembro sim, outro não.

Fora desse período, o infiel ficará inelegível pelos quatro anos subseqüentes ao término do seu mandato. Mas o que passou passou, resolveram à época os deputados, por sintomática maioria de 292 a 34: aqueles que pularam a cerca antes deste setembro foram anistiados. Invocou-se a tese de que não se pode punir atos anteriores à legislação que viria a coibi-los. Mas a causa verdadeira só aparentemente dizia respeito a uma questão de princípios. Foi uma tentativa malandra de criar um fato consumado para repercutir na esfera judicial.

Isso porque, em março, respondendo a uma consulta do então PFL, respaldado pelo PSDB e PPS, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia feito história ao estipular, por 6 votos a 1, que os mandatos legislativos obtidos em eleições proporcionais pertencem não aos seus detentores, mas aos partidos e coligações pelos quais se elegeram. Por esse entendimento, as legendas prejudicadas recuperam as vagas abertas por defecções, preenchendo-as com suplentes - 23 ao todo, no caso das siglas mencionadas. Ora, como o tamanho das Casas Legislativas é fixo, a conseqüência lógica seria a perda do mandato dos infiéis.

Também por isso, a resolução do TSE deixou os políticos atarantados e abriu vasta polêmica nos meios jurídicos. Naturalmente, os partidos vitoriosos foram cobrar do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, a devolução das cadeiras perdidas. Diante da sua recusa, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF). Essa a explicação da anistia aos vira-casacas. Com ela pretende-se colocar a Corte em face de uma situação nova, o que a impediria de ratificar a posição do TSE. Por sinal, mesmo depois de adotada e antes da votação na Câmara, 9 deputados não deram importância ao tribunal e aderiram ao troca-troca.

O Supremo vai julgar a matéria no próximo dia 3, véspera do prazo-limite para a filiação dos eventuais candidatos em 2008. Se prevalecer o conceito da Justiça Eleitoral de que os donos dos mandatos são os partidos, será um deus-nos-acuda. Paciência. Três dos membros do TSE que votaram com a maioria (Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso) integram também o STF. Já o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, defendeu na semana passada o ¿não recebimento¿ das ações impetradas pelo DEM, PSDB e PPS. Os seus argumentos são no mínimo polêmicos. Ele sustenta que os partidos, por importantes que sejam para a democracia, não podem ser vistos como fins em si mesmos.

¿Têm eles a função de intermediários entre o povo e o Estado¿, escreveu. ¿Tão intermediários quanto os nomes que oferecem à escolha do eleitorado para a representação.¿ Ele ainda alertou para os supostos riscos de uma partitocracia (sic). Ora, o sistema partidário é a espinha dorsal do organismo político nas sociedades democráticas. Partidos robustos são sinônimos de democracias estáveis. No Brasil, ademais, ¿filiar-se a um partido¿, constata o deputado tucano Antonio Carlos Pannunzio, é apenas ¿uma formalidade que o postulante cumpre para poder ser candidato e ter acesso ao horário eleitoral gratuito¿.