Título: Direito à fuga volta ao centro de debate entre juristas
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/09/2007, Economia, p. B6

Ministro do STF defende que 'todo cidadão' que cometer um crime pode fugir se achar que é vítima de injustiça

Ele não está descrito em nenhum código ou lei, e também não está previsto na Constituição. Ao senso comum parece até absurdo, mas é visto com bons olhos pelo judiciário. O direito à fuga voltou a ser tema de debate entre juristas com a prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola em Mônaco, no dia 15. Condenado a 13 anos de prisão em 2005, ele deixou o Brasil em 2000 sem nenhuma restrição da Justiça.

Todo cidadão que cometer um crime pode fugir se achar que é vítima de injustiça. Não tem a obrigação, portanto, de colaborar com a Justiça. 'É direito natural do homem fugir de um ato que entenda ilegal. Qualquer um de nós entenderia dessa forma. É algo natural, é inato ao homem', diz o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello.

Mas esse direito, ao contrário das garantias individuais previstas na Constituição, não tem aceitação unânime - procuradores do Ministério Público (MP) o abominam. 'Minha posição é não admitir o chamado direito de fuga, e até me causa uma certa perplexidade a expressão direito de fuga', afirma o ex-procurador-geral da República, Cláudio Fonteles .

Até pouco tempo atrás, um réu que fugisse da Justiça podia ser preso preventivamente sob o argumento de que havia risco de nunca mais ser achado e, conseqüentemente, de não cumprir a pena a que fosse condenado. Agora, a fuga - ou a mera ameaça de fuga - não justifica um pedido de prisão, na opinião de ministros do STF.

Foi com esse entendimento que o ministro Marco Aurélio concedeu liminar em 2000 para que Cacciola deixasse a prisão. Dias depois, o ex-banqueiro, acusado de peculato e gestão fraudulenta, fugiu para a Itália.

O ministro mantém seu entendimento a ponto de dizer que concederia novamente liminar a Cacciola para que respondesse o processo em liberdade, mesmo com a ameaça confirmada de fuga. Fonteles discorda.

Se dependesse do MP, Cacciola ficaria preso até que fosse concluído o julgamento. 'Já há duas condenações contra ele. Na minha opinião, ele deve ficar preso', diz o procurador.

Marco Aurélio cita a Constituição para defender sua opinião: 'Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.'

Fonteles lembra o Código de Processo Penal para dizer que um acusado pode ser preso preventivamente para que seja garantida a ordem pública e para assegurar a aplicação da lei.

Cada leitura tem também suas conseqüências. Para Marco Aurélio, o Brasil voltaria aos tempos da ditadura se pessoas fossem presas sob o argumento de que a ordem pública precisa ser preservada.

Para Fonteles, as decisões de deixar que um réu fuja e correr o risco de que ele não seja punido geram na população o sentimento da impunidade e estimulam a criminalidade.

Nessa discussão, a palavra final é do STF. Cabe aos ministros, em última instância, decidir se alguém continuará preso antes da conclusão do julgamento. Na quase totalidade dos casos, a liberdade tem sido garantida para autores de pequenos crimes, acusados de crimes hediondos e réus confessos. 'Gostemos ou não da decisão da Justiça, temos de cumpri-la', admite Fonteles. 'A sociedade brasileira, neste momento, está indefesa.'

Cacciola era dono do Banco Marka e foi condenado por crimes de gestão fraudulenta, peculato e corrupção passiva durante a crise cambial que resultou na desvalorização do real, em 1999. O Marka e outro banco, o FonteCindam, foram socorridos pelo Banco Central (BC) para não provocar uma crise no sistema bancário, e teriam dado prejuízo de R$ 1,6 bilhão ao governo.

Frases

Marco Aurélio Mello Ministro do STF

'É direito natural do homem fugir de um ato que entenda ilegal. É algo natural, é inato ao homem'

Cládio Fonteles Ex-procurador geral da República

'Já há duas condenações contra ele. Na minha opinião ele deve ficar preso'

'A sociedade brasileira, neste momento, está indefesa'