Título: Medidas provisórias - mesmo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2007, Notas & Informações, p. A3

Tanto a CPMF - que embute a palavra ¿provisória¿ - como as Medidas Provisórias (MPs) nasceram sob o signo das boas intenções. Uma, criada em 1993 e então chamada ¿imposto¿, se destinava a socorrer, em caráter emergencial, a saúde pública, mediante o repasse ao setor do 0,25% que passaria a incidir sobre qualquer operação bancária. A outra, instituída na Carta de 1988, se destinava a dotar o Executivo de um instrumento para promulgar leis de vigência imediata, em face de situações excepcionais - ou de ¿relevância e urgência¿, segundo o texto constitucional - a serem referendadas no máximo em um mês pelo Congresso, daí a sua provisoriedade. Se aprovadas, evidentemente, tornam-se definitivas. Se rejeitadas, obviamente, deixam de existir. Não se tomará aqui o tempo do leitor percorrendo o irrefreado processo de desvirtuamento seja do chamado imposto do cheque, cuja alíquota subiu 18 pontos porcentuais a contar de 1997, seja do recurso legal concebido para habilitar o presidente da República a responder a tempo e hora a conjunturas críticas, mas sem o caráter ditatorial dos antigos decretos-leis.

Basta registrar que, se a CPMF se tornou o mais criticado tributo nacional, por sua repercussão em cascata sobre a atividade econômica e por sua arrecadação não mais se circunscrever à saúde, as MPs se tornaram a mais perniciosa forma de legislar existente porque as suas edições, às catadupas, serviram aos governos de turno para transformar Câmara e Senado em instâncias legislativas de segunda classe. Raríssimas delas efetivamente urgentes e relevantes, as medidas provisórias, ao produzir efeitos súbitos para a sociedade e, mais do que isso, ao se impor, pelo rito de sua tramitação, à rotina parlamentar propriamente dita, distorcem o princípio do equilíbrio entre os Poderes, dando a um deles verdadeiro controle autocrático sobre outro. Além disso, desde sempre MPs são assinadas a fim de atender a grupos de pressão suficientemente influentes para ter os seus interesses particulares satisfeitos sem tardança.

Mas, ao revogar três delas de inopino, com a intenção de desobstruir, na Câmara, a primeira das quatro votações congressuais da emenda constitucional que prorroga a CPMF até 2011, Lula é mais um governante brasileiro (e não pela primeira vez) a manipular com uma prepotência que beira o escárnio o instituto das medidas provisórias. Prepotência, no caso, por equivaler à passagem de um rolo compressor sobre as legítimas tentativas da oposição de bloquear um projeto que rejeita, embora Lula proclame que ¿nenhum partido conseguiria governar hoje este país sem a CPMF¿ - o que pode ser verdade, ou não. E é uma irresponsabilidade porque a decisão de anular as MPs nem de longe levou em conta as conseqüências do ato intempestivo para a vida concreta dos brasileiros. Uma das medidas revogadas, por exemplo, tratava da taxação dos produtos importados do Paraguai por via terrestre - daí o seu apelido ¿MP dos sacoleiros¿.

Imagine-se quantos deles, tendo cruzado a Ponte da Amizade para importar artigos dentro de determinadas regras, de repente se viram no limbo, despojados por um estalar de dedos do regime especial de tributação implantado para favorecê-los. Agora, como ocorre com qualquer outra MP desfeita, a situação anterior só poderá ser restabelecida por um projeto de lei - o que teria sido o caminho certo a percorrer desde o início. Pior ficou a situação dos mais de 14 milhões de donos de armas de fogo de uso autorizado a civis. Por medida provisória, o governo havia estendido o prazo para o seu cadastramento. Sem a MP, voltou a valer a data original - 2 de julho. Portanto, quem ainda não tinha iniciado o trâmite previsto em lei, caiu na ilegalidade. Segundo a Polícia Federal, apenas 270 mil revólveres, pistolas e espingardas foram recadastradas. A robusta contribuição do presidente Lula para a insegurança jurídica dos brasileiros completou-se - por ora - com o fim da MP chamada ¿dos órfãos do câmbio¿.

Ela concedia compensações a importantes setores produtivos afetados pela apreciação do real. Agora, os investimentos previstos com base na medida extinta ficam à espera do projeto de lei de igual teor que o governo promete mandar ao Congresso em regime de urgência. Pelo visto, é prudente tomar ao pé da letra, daqui em diante, o adjetivo ¿provisória¿. Não no caso do imposto, evidentemente.