Título: Novo fôlego para a Rodada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2007, Notas & Informações, p. A3
Um gesto inesperado reacendeu a esperança de ver concluída a Rodada Doha de negociações comerciais antes da próxima eleição presidencial nos Estados Unidos, no próximo ano. O governo americano revelou a disposição de aceitar uma redução dos subsídios agrícolas para algum valor na faixa de US$ 13 bilhões a US$ 16,4 bilhões anuais. Com esse lance, aproximou-se da posição do Brasil e de outros países emergentes empenhados em liberalizar o comércio do agronegócio e deu novo fôlego às negociações multilaterais.
Pela proposta do Brasil e do Grupo dos 20 (G-20), formado por emergentes, os Estados Unidos deveriam cortar seus subsídios para US$ 12,9 bilhões. Seria, segundo argumentam, a única forma de garantir uma redução efetiva e não um corte de vento. Embora o governo americano esteja autorizado a conceder até US$ 48,2 bilhões, os pagamentos efetivos têm ficado muito abaixo desse limite. Ficaram em média em US$ 15,4 bilhões no período 1995-2005.
Os americanos pretendem, como contrapartida de sua nova oferta, concessões dos países em desenvolvimento tanto no comércio de produtos do agronegócio quanto no intercâmbio de bens industriais. Para o Brasil, a abertura do mercado agrícola à competição internacional não representa grande problema. O País está preparado para concorrer em todos os mercados, se houver uma efetiva liberalização. Outros países do Mercosul também são eficientes na produção de várias commodities agropecuárias. Mas outros membros do G-20, como a Índia e a China, têm assumido posição diferente. Cobram mais abertura do que estão dispostos a conceder nessa área. Além disso, outros parceiros em desenvolvimento pretendem manter uma elevada proteção, alegando a necessidade de preservar os pequenos produtores. Ainda falta coordenar as posições de dezenas de países, mas pelo menos agora se abre espaço para algum avanço das discussões.
A questão é mais complicada, para o Brasil e outros emergentes, quando se trata do comércio de bens industriais. Cada país tem uma lista de setores candidatos a maior proteção. Mesmo no Mercosul, um bloco pequeno, fazer uma lista satisfatória para todos os sócios tem sido um desafio.
As novas ofertas dos países em desenvolvimento serão cruciais para os americanos definirem até onde estarão dispostos a reduzir seus subsídios à agricultura. Mesmo a adoção do limite mais próximo daquele pretendido pelos emergentes ainda não resolverá todos os problemas. Ainda faltará negociar detalhes importantes, tanto com os americanos quanto com os europeus.
Faltará estabelecer, por exemplo, qual a extensão das exceções e o montante máximo de subvenção por produto. Se os subsídios ficarem concentrados num pequeno conjunto de produtos, as condições de concorrência serão perigosamente afetadas. Preocupação semelhante vale para a lista de produtos sujeitos a condições especiais de proteção tarifária. Será uma negociação complicada, pois bastará a escolha de um pequeno grupo de produtos de grande interesse para o Brasil, por exemplo, para anular boa parte dos ganhos esperados de um acordo comercial.
Com algum otimismo, é possível pensar na conclusão de acordos para produtos agropecuários e industriais até novembro. A partir daí, ainda sobrarão muitos detalhes técnicos, mas o trabalho politicamente mais difícil e importante estará concluído: estarão desenhadas as grandes linhas do entendimento final. Mais do que nunca, é preciso pensar no calendário. Já não se trata mais de cumprir prazos determinados pelos próprios negociadores. A aproximação das eleições americanas encurta os prazos disponíveis.
Todos os pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos vêm sendo pressionados por grupos defensores de maior protecionismo. Será muito difícil conquistar votos - ou deixar de perdê-los - defendendo uma abertura maior do mercado americano aos competidores estrangeiros.
Para o Brasil, o risco de um novo impasse nas negociações às vésperas da campanha eleitoral nos Estados Unidos é especialmente preocupante. Afinal, o governo pôs todas as fichas no sucesso da Rodada Doha. Um fracasso deixará o País em séria desvantagem no comércio internacional.