Título: Sarkozy semeia nova sociedade
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2007, Internacional, p. A18
Nicolas Sarkozy atacou em cheio o capítulo mais perigoso do seu programa de governo: a reforma econômica e social do Estado. Reforma não é o termo mais apropriado. Melhor dizer: a invenção de uma ¿nova sociedade¿. E começou o trabalho com violência. Dirigindo-se a 5 milhões de funcionários públicos que custam ao Estado 1 bilhão por ano, ele prometeu uma ¿revolução cultural¿, que lembra uma outra, a detestável revolução de Mao Tsé-tung.
Sarkozy é um provocador que quer deixar clara sua ambição: dinamitar o funcionalismo público francês, um sorvedouro financeiro, uma casta de privilegiados. Antes dele, dez outros chefes de Estado tentaram atacar essa ¿fortaleza¿, mas todos fracassaram.
Sarkozy é um grande estrategista. Ele trava uma guerra relâmpago, mas em vez de mirar um único alvo, ataca dez ao mesmo tempo. Esta semana abriu cinco frentes de batalha.
A primeira tem por objetivo intensificar a luta contra os ¿clandestinos¿, exigindo que os imigrantes que queiram trazer seus filhos para a França submetam-se a testes de DNA para comprovar o parentesco. A segunda, abolir privilégios de salários e aposentadorias de alguns funcionários públicos que obtiveram os benefícios por critérios escandalosos ou obsoletos (o trabalho do ferroviário, por exemplo, que era cruel há 50 anos, hoje é muito cômodo).
A terceira frente deve enxugar o funcionalismo, contratando apenas um funcionário a cada dois que se aposentem. Sarkozy quer retardar a idade de aposentadoria e limitar o direito de greve. Sua quarta batalha é encorajar os funcionários públicos a irem para a iniciativa privada, oferecendo-lhes um ¿pecúlio¿ que facilite essa mobilidade. Por fim, ele pretende retornar, pouco a pouco, à semana de 40 horas de trabalho, no lugar das 35 horas atuais.
Cada uma dessas medidas pode colocar uma multidão de pessoas na rua, mas Sarkozy avança como um raio e atira para todos os lados ao mesmo tempo. Os sindicatos não sabem mais o que fazer diante do turbilhão. Quando tentam compreender um projeto apresentado na véspera, outro cai sobre a suas cabeças.Uns gritam por greve. A maioria está atordoada. Não há unidade no operariado. Ninguém duvida que os sindicatos contra-atacarão, mas vai ser difícil.
Sarkozy é brigão, eloqüente, astuto, trapaceiro. Político loquaz, asfixia seus interlocutores com um dilúvio de palavras. Mestre na demagogia, sabe que os excessos do funcionalismo exasperam a opinião pública. E se aproveita disso. Começa anunciando medidas terríveis, em tom imperial, e observa as reações. Se são brandas, segue em frente. Se são duras, bate em retirada e diz-se aberto à negociação.
Qual é a linha geral? Ele jurou arrancar a economia dos seus grilhões ¿estatais¿, ampliando definitivamente o território da empresa privada. A intervenção do Estado é uma tradição antiga. Remonta a Colbert, Napoleão, de Gaulle. Fora da França, porém, observa-se o oposto. É o liberalismo, a lei do mercado e a livre empresa que triunfam.
A França, país ideológico e pouco pragmático, sempre rejeitou essa ruptura com o passado. Sarkozy deseja que a França realize essa revolução, que o país se adapte ao novo século. E joga pesado.