Título: China muda tom com os ditadores decrépitos
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2007, Internacional, p. A20

O clima é de ansiedade: haverá um derramamento de sangue geral de Rangum a Mandalay ou a ¿revolução açafrão¿ (chamada assim pela cor das túnicas dos monges) derrubará pacificamente esse bando de militares obtusos que há quatro décadas oprimem o país e aniquilaram 3 mil opositores em 1988?

Até agora a China tem apoiado os militares birmaneses, o generalíssimo Than Shwe, que em 1988 deu a ordem para os soldados atirarem contra a multidão, e Maung Aye, seu impiedoso camarada. Há décadas, Pequim ajuda Mianmá a respirar, graças às suas compras de hidrocarbonetos e a seu direito de veto no Conselho de Segurança da ONU. China e Rússia vetaram há oito meses uma resolução da ONU que exigia reformas profundas na ex-Birmânia, a começar pela libertação de Aung Sam Suu Kyi, filha do herói da independência do país, Nobel da Paz de 1991 e em prisão domiciliar há quatro anos.

Na geoestratégia de Pequim, Mianmá ocupa posição-chave. A China modernizou os portos birmaneses de Mergui, Dawi e Sittwe, que oferecem aos chineses uma saída direta para o Oceano Índico.

Mas o conluio entre a junta militar birmanesa e os senhores de Pequim parece estar mudando de direção. No dia 13, Tang Jiaxuan, diplomata chinês do alto escalão, alertou que a China ¿fará todo o possível para que Mianmá coopere para um processo democrático apropriado¿.

O fato é que, em poucos anos, a China transformou-se numa das grandes potências do planeta. Isso impõe ao país responsabilidades e deveres. E depois do início da revolta em Mianmá e a poucos meses dos Jogos Olímpicos de Pequim, os chineses gostariam de evitar um incêndio no país vizinho.

Será essa uma garantia de que Mianmá vai livrar-se do horror? Não é seguro. Os velhos generais corrompidos, extenuados e decrépitos (integram a junta um general com leucemia, outro com câncer de próstata, um cardíaco e um alcoólatra) são tão delirantes, irracionais e paranóicos que talvez nem Pequim consiga convencê-los a não continuar atirando - como começaram a fazer ontem - nas multidões desarmadas.