Título: À espera da decisão do STF
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Amanhã, 36 dias depois de abrir processo contra todos os 40 acusados de envolvimento com o mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá a oportunidade de lavar novamente a alma de todos os brasileiros fartos a mais não poder com a corrupção, a impunidade e o desdém dos políticos pelos que os credenciaram a representá-los nas instituições legislativas. Nem todos os políticos escarnecem de seus eleitores. Mas os que têm esse ¿hábito¿ são suficientemente numerosos para explicar por que 8 em 10 dos entrevistados em recente pesquisa declararam ter perdido a confiança no Congresso Nacional.

Desde a eleição de um ano atrás, 46 daqueles deputados, pouco menos de 10% do total, mudaram de legenda - alguns, mais de uma vez. A esmagadora maioria das mudanças foi provocada pelo arrastão com que o governo tratou - e continua tratando - de dizimar as siglas não pertencentes à sua enxundiosa e amplamente fisiológica base parlamentar. Foi uma autêntica blitzkrieg, destinada a criar as condições necessárias, embora insuficientes, como se sabe, para confinar os adversários do lulismo a um gueto político, reduzindo-os à irrelevância, e transformar o Congresso em submissa linha auxiliar do Palácio do Planalto. Os números são clamorosos: as urnas de 2006 deram ao presidente reeleito vantagem de 200 cadeiras na Casa. Na data da posse dos seus membros, a vantagem era já de 221. Agora, alcança 245.

As agremiações mais atingidas, o PPS, o PSDB e o DEM (ex-PFL), com 23 baixas ao todo, reagiram em março último com uma iniciativa de extraordinário alcance, como se veria. Para reverter a sangria, solicitaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que declarasse a quem pertencem os mandatos dos eleitos pelo sistema proporcional (vereadores, deputados estaduais e federais). Por 6 votos a 1, a Corte respondeu que os donos são os partidos. Como afirmou no domingo, em artigo na Folha de S.Paulo, o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, o tribunal tomou essa decisão ¿porque considera que o País precisa deixar de fazer de conta que possui um ordenamento jurídico¿. Com base nesse entendimento, os líderes das agremiações prejudicadas pediram ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, a posse dos suplentes nos assentos abandonados pelos infiéis, o que implicaria perda dos seus mandatos. Rejeitado o pedido, os dirigentes partidários entraram no Supremo com mandado de segurança contra a negativa.

Chegou, portanto, a hora da verdade para a ignomínia da infidelidade partidária, da qual o principal beneficiário, invariavelmente, é o governante de turno, provedor de cargos e senhor do tempo de liberação das verbas para as emendas parlamentares ao Orçamento. Ninguém duvida de que o STF irá endossar a posição do TSE. Resta saber como. A ratificação judicial da tese - cuja procedência salta aos olhos - de que os mandatos pertencem aos partidos e não aos seus detentores ocasionais é uma coisa. A aplicação da norma é outra. É pouco provável que as siglas traídas, principalmente pelo ¿poder de sedução¿ do governo, recuperem as quase 50 cadeiras perdidas. Se recuperassem, o STF teria o aplauso da maioria esmagadora dos brasileiros, mas poderia ser o estopim de uma crise entre Legislativo e Judiciário. Ainda assim, pelo menos 3 dos 11 ministros do tribunal sustentam que a vigência da regra deveria ser imediata porque o Supremo apenas teria interpretado uma lei já em vigor.

O STF poderá resolver que o seu ato só produza efeitos práticos ou a partir das próximas eleições ou a partir da decisão do TSE. A primeira hipótese equivalerá a anistiar os vira-casacas da presente legislatura. (Foi o que sugeriu o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, caso o STF rejeitasse o seu surpreendente parecer, segundo o qual a cadeira pertence ao seu titular.) A segunda hipótese conduzirá, ao fim e ao cabo, à perda dos mandatos de 14 deputados federais que mudaram de bancada mesmo depois do pronunciamento inequívoco da Justiça Eleitoral, em 27 de março.

O TSE, de todo modo, deixou aberta uma brecha pela qual os infiéis, a qualquer época, decerto tentarão se esgueirar. O tribunal admitiu que a infidelidade é legítima quando houver ¿mudança significativa de orientação programática do partido¿ - como se a maioria a tivesse - ou por ¿perseguição política¿. Caberá ao STF fechar essa brecha.