Título: PM quer de volta armas do Carandiru
Autor: Manso, Bruno Paes e Godoy, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2007, Metrópole, p. C5
Quinze anos depois da morte de 111 presos, apenas 8 famílias de vítimas começaram a receber indenizações
Quinze anos depois do massacre de 111 presos na Casa de Detenção em São Paulo, a Polícia Militar quer reaver as armas usadas no Massacre do Carandiru. Até agora nenhum dos 84 réus acusados de homicídio foi julgado e só 8 famílias de vítimas já começaram a receber as indenizações - ao todo o Estado foi condenado pela Justiça a pagar um total de R$ 3,8 milhões para 51 famílias.
A decisão de pedir de volta fuzis e submetralhadoras utilizadas pelos homens do Comando de Operações Especiais (COE) e pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), ambos companhias do 3º Batalhão de Choque, foi tomada no ano passado. O comando da unidade enviou ofício à 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, pedindo, em junho de 2006, a devolução das armas.
O então relator do caso, desembargador Barbosa de Almeida, indeferiu o pedido, alegando que ele deveria ser endereçado à 2ª Vara do Júri de São Paulo. As armas dos policiais envolvidos no massacre foram recolhidas para serem periciadas. Elas estão apreendidas como parte das provas do processo. Após 14 anos, a PM tentou reaver as armas, na esperança de que a Justiça as liberasse por entender que a corporação precisava delas. Mas o comando da PM informou que não recebeu nenhum armamento de volta.
O pedido do 3º Batalhão de Choque para reaver o arsenal é considerado normal na administração pública. Como as armas são patrimônio da corporação, elas devem voltar à PM no fim do processo. Caso não possam mais ser utilizadas, são enviadas ao Exército para serem destruídas. Do contrário, retornam às mãos dos policiais.
O massacre ocorreu em 2 de outubro de 1992, depois que a Tropa de Choque invadiu o Pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção, onde os presos estavam rebelados. Enquanto esperam a decisão judicial sobre o caso, a maioria dos que comandaram tropas naquele dia passou para a reserva. Só três continuam em atividade, depois de serem promovidos.
Valter Mendonça e Wanderley Mascarenhas hoje são tenentes-coronéis e comandam batalhões na Grande São Paulo. Arivaldo Sérgio Salgado é o chefe de gabinete do comando geral da PM. Salgado é o segundo acusado do caso que chegou ao posto de coronel, ao qual só se é promovido por merecimento.
Após a absolvição do comandante da operação, Ubiratan Guimarães, em fevereiro de 2006, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, o processo contra os demais réus voltou à 4ª Câmara. Ela julgará o recurso dos 84 réus contra a decisão de mandar a júri os PMs. Para isso, a 4ª Câmara aguarda as declarações de voto dos desembargadores que absolveram Ubiratan, morto em setembro de 2006. Só depois de recebê-las é que os desembargadores darão prosseguimento ao caso.
INDENIZAÇÕES
Os familiares dos mortos no massacre moveram até agora 58 ações contra o Estado por danos morais. Apesar do empenho inicial da Procuradoria de Assistência Judiciária e depois da Defensoria Pública de São Paulo, passados 15 anos apenas oito famílias das vítimas começaram a receber a indenização.
Os processos já tiveram todo o trâmite concluído em 51 dos 58 casos. O problema agora é esperar a fila dos precatórios. Somadas as indenizações por danos morais dos 51 casos, o Estado terá que pagar R$ 3,8 milhões para 86 pessoas que aparecem como autores no processo. Cada um receberá em média R$ 48 mil ou pouco mais de 117 salários mínimos.
Em 17 casos, quando os familiares conseguiram provar que a vítima ajudava no sustento da casa, a Justiça também concedeu pagamento de pensão. Os valores das pensões variam entre 50% do salário mínimo e 80% de 2,5 salários mínimos. ¿O trabalho foi bem feito e as famílias foram ouvidas uma a uma. Agora, ajudamos para que as famílias comecem a receber o dinheiro¿, afirmou a defensora pública Vânia Agnelli Casal.
SOBREVIVENTE
O massacre ainda marca a vida do rapper José André de Araújo, o André Du Rap. Em 2 de outubro de 1992, dia em que fez 21 anos, ele estava numa cela do 4º andar do Pavilhão 9 quando policiais chegaram atirando e mataram quatro presos. Sobraram André e um amigo, Ezequiel. Os policiais saíram. André foi para o banheiro e Ezequiel ficou na cela. Mas os PMs voltaram e só André escapou.Há sete anos fora da cadeia, André escreve livros e dá aulas de hip-hop em organizações não-governamentais. Ele disse que ainda sofre ameaças de ¿maus policiais¿ quando fala do massacre. ¿Preciso mudar de casa constantemente. Minha obrigação é contar o que vivi para que fatos como esses não se repitam.¿
OS PERSONAGENS
Luiz Antônio Fleury Filho Governador na época
Negou que tivesse dado a ordem de invadir o Pavilhão 9. É procurador de Justiça aposentado. Não se reelegeu deputado federal
Pedro Franco de Campos Secretário da segurança Pública
Foi afastado do cargo. Deu carta branca para o coronel Ubiratan Guimarães decidir. Hoje é procurador de Justiça
Wilton Brandão Parreira Filho Coronel e comandante da Tropa de Choque
Foi afastado. Denunciado sob a acusação de 87 lesões corporais por causa do espancamento de presos após o massacre, não foi julgado por que a acusação prescreveu
José Ismael Pedrosa Diretor da Casa de Detenção
Foi afastado. Transferido para a Casa de Custódia de Taubaté, onde trabalhou até se aposentar. Foi assassinado em 2005 a mando da facção criminosa Primeiro Comando da Capital
Ubiratan Guimarães Coronel e comandante do policiamento metropolitano
Foi afastado. Condenado a 632 anos pelo 1.º Tribunal do Júri, foi absolvido pelo Tribunal de Justiça. Assassinado em 2006 em seu apartamento
Antônio Chiari Tenente-coronel e comandante da Rota
Foi afastado. Mais tarde, foi promovido a coronel e se aposentou. Era acusado das lesões corporais
Edson Faroro Tenente-coronel
Era o comandante do 2.º Batalhão de Choque. Foi afastado do cargo pelo governador. Passou para a reserva pouco depois. A Justiça o absolveu da acusação de abuso de autoridade. Faroro se beneficiou ainda da prescrição no caso das lesões corporais
Luiz Nakaharada Tenente-coronel comandante do 3.º Batalhão de Choque
Foi afastado. Mais tarde, assumiu o 4.º BPM. Aposentou-se este ano e recebeu da Câmara Municipal de São Paulo o título de cidadão paulistano. É acusado de cinco homicídios. Aguarda julgamento
Valter Alves Mendonça Capitão da Rota
Por anos teve cargos burocráticos. Hoje é tenente-coronel e comandante do 19.º BPM. Sua tropa foi acusada de 71 mortes
Ronaldo Ribeiro dos Santos Capitão da Rota
Está na reserva. Sua tropa foi acusada de 15 dos 111 homicídios
Wanderley Mascarenhas Capitão do Gate
Foi afastado. Hoje é tenente-coronel e comanda o 26.º BPM. Sua tropa foi acusada de 10 mortes
Arivaldo Sérgio Salgado Capitão do COE
Foi mantido no cargo, hoje é o chefe de gabinete do comando da PM. Sua tropa foi acusada de 8 mortes