Título: Há 23 anos, fidelidade caiu para eleger Tancredo
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2007, Nacional, p. A8

Fiel à máxima do escritor espanhol Ortega Y Gasset, segundo o qual o homem é ele e suas circunstâncias, o DEM (ex-PFL, ex-PDS e ex-Arena) busca hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) sentença pela fidelidade partidária, oposta à que obteve do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há 23 anos. Foi quando precisou ser infiel para liberar sua dissidência a votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, onde Paulo Maluf foi derrotado.

À época, Maluf se impusera como candidato oficial do PDS, à revelia do governo e de sua figura máxima, o último presidente da ditadura, general João Baptista Figueiredo. Maluf navegava em direção ao Planalto certo de que a fidelidade partidária lhe garantiria os votos no Colégio Eleitoral e que os militares não trabalhariam contra, pois isso significaria ajudar a eleição de Tancredo.

Porém, capitaneados pelo então presidente do PDS, senador José Sarney (um dos que citam Ortega Y Gasset), os dissidentes da legenda de sustentação ao governo militar viraram a mesa e aboliram a fidelidade. Maluf esperneou, o TSE manteve-se firme e os dissidentes garantiram a Tancredo a eleição do primeiro presidente civil desde 64. Ironia das ironias, Sarney assumiria em seu lugar, já filiado ao PMDB.

Terminou aí a devoção do PFL pela infidelidade. Desde então, a circunstância política levou o partido a mudar de lado. Em seu estatuto, deixou registrado que o parlamentar que se desfiliar perderá o mandato para o qual foi eleito. Mais: quem votar contra as definições da legenda, como fizeram os dissidentes do PDS em 1984, serão expulsos e, por isso, também perderão o mandato.

Já em 89, apenas cinco anos depois de brigar pela infidelidade, o PFL voltaria ao Judiciário, dessa vez para defender a fidelização. Nesse julgamento do STF, o partido foi derrotado por sete votos a quatro, contra o então ministro Paulo Brossard, que hoje defende novamente a tese, mas como advogado do DEM.

No governo Fernando Henrique Cardoso, seis anos após esse julgamento, o PFL foi dos mais beneficiados pela infidelidade. O partido foi um dos protagonistas do escancarado troca-troca partidário, que reduziu seus quadros e enfraqueceu numericamente a oposição.

Agora, por uma questão de sobrevivência, o DEM volta ao STF. Com o apoio do TSE, quer aprovado o entendimento de que o mandato do deputado pertence à legenda e não ao candidato eleito. Se vitorioso, como ocorreu em 1984, estancará a debandada de filiados. Caso volte ao poder, de onde saiu apenas no governo Lula, não poderá retomar a prática da qual também se beneficiou.