Título: O bom aluno de Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2007, Notas & Informações, p. A3

Na campanha eleitoral do ano passado, Rafael Correa despontou com um discurso radical, típico da esquerda nacionalista. Foi o quanto bastou para que o coronel Hugo Chávez, lá de Caracas, perfilhasse sua candidatura, dando-lhe apoio político e material. Mas a perspectiva de ter no poder uma cópia do caudilho venezuelano assustou o eleitorado e Correa, que se diz um pragmático, antes de mais nada, afastou-se ostensivamente de Chávez. Até hoje diz que não segue a cartilha bolivariana e que tem um projeto próprio para seu país.

Acredite quem quiser. O fato é que o presidente do Equador segue, ao pé da letra, o receituário aplicado por Hugo Chávez para ¿refundar¿ o seu país. O tom de seu discurso é mais moderado e conciliador - principalmente quando se refere aos Estados Unidos, à empresa privada e ao capital estrangeiro. Mas a essência do discurso e o método de ação política não diferem dos de seu mestre.

Seus objetivos são claros: colocar sob seu controle, além do Executivo, o Legislativo e o Judiciário, subordinar a economia ao Estado, controlar os meios de comunicação e, no final, instituir um regime socialista - não o socialismo clássico, porque neste Rafael Correa não acredita, mas no socialismo do século 21, aquela fórmula vaga e ambígua inventada por Chávez para institucionalizar a sua ditadura. Nisso, Correa acredita, a ponto de afirmar: ¿Creio que a América do Sul, em geral, se encaminha para o socialismo do século 21.¿

Pensa como Chávez e seus métodos são os mesmos do caudilho. Como Chávez, assim que foi eleito presidente, tratou de convocar uma Constituinte. Num país que já teve 19 Constituições e, desde 1996, 9 presidentes, mudar a estrutura institucional não seria novidade. Mas o partido de Correa não tinha nenhum deputado no Congresso, por ter boicotado as últimas eleições legislativas. Venceu as resistências dos deputados, que se opunham à convocação da Constituinte, dando um golpe de mão no Congresso. Destituiu, de forma arbitrária, 57 deputados, que foram substituídos por outros dóceis ao governo.

Convocada, assim, a Constituinte, empenhou-se numa maciça campanha publicitária, com a inestimável ajuda de Hugo Chávez - que, aliás, acaba de destinar US$ 5 milhões para financiar a TV pública equatoriana. O esforço compensou. Nas eleições deste fim de semana, conseguiu eleger, no mínimo, 71 deputados, de um total de 130 cadeiras. Quando a apuração se completar, é possível que sua bancada tenha algo em torno de 80 deputados, e, para aprovar a nova constituição, não precisará de mais de 66 votos.

A próxima etapa do processo de controle total do país já foi enunciada por Correa. Dissolverá o Congresso que foi eleito no ano passado. A justificativa para a violência é elementar: ¿Com o Congresso é muito difícil de atuar e creio que o pronunciamento do povo equatoriano foi contundente: o Congresso tem de ir para casa.¿ Evidentemente, não foi essa a mensagem do eleitorado, que elegeu uma assembléia especial para fazer uma nova constituição, enquanto o Congresso continua a exercer as prerrogativas garantidas pela Constituição em vigor.

A terceira etapa também já foi anunciada. A exemplo do que fez Hugo Chávez, convocará eleições gerais, mesmo estando no início os mandatos vigentes. Trata-se de uma manobra típica para legitimar sua permanência no poder.

Rafael Correa também garante que não entregará à Assembléia Constituinte uma constituição pronta e acabada, para ser apenas homologada. O mesmo disse o caudilho Hugo Chávez, antes de entregar a três cupinchas a incumbência de fazer um anteprojeto que foi votado, em primeira discussão, em prazo tão curto que chegou a atropelar o cronograma fixado pelo chefe.

De qualquer maneira, sabe-se o que Rafael Correa quer com a nova constituição - e, dada a maioria absoluta que obteve nas eleições de domingo, tudo indica que obterá, ainda que enfrentando uma oposição organizada. Ele quer o monopólio do poder para instituir o tal socialismo do século 21, o que significa dar ao Estado um papel preponderante da economia e limitar as liberdades políticas e individuais. Tudo indica que o bom aluno de Chávez conseguirá tudo isso. Conseguirá, também, dividir e empobrecer ainda mais o Equador.