Título: O plano perfeito do 'presidente perpétuo'
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2007, Internacional, p. A18

Vladimir Putin deve deixar o cargo em março de 2008 e isso não lhe dá o menor prazer. Ele não só se saiu bem nessa função, como os russos o amam (tem 80% de aprovação). E Putin ama sua pátria. De bom grado, ele se vê presidente perpétuo - como um czar ou Leonid Brejnev.

Mas a Rússia tem uma Constituição e Putin a respeita. No entanto, ele não se vê como um ¿presidente aposentado¿ plantando hortaliças e escrevendo suas memórias.

Além de respeitar a Constituição, Putin é muito engenhoso. Tudo indica que ele descobriu um truque que lhe permitirá ao mesmo tempo respeitar a lei e permanecer no comando.

Ele esboçou seu plano segunda-feira, ao receber no Kremlin o partido Rússia Unida, ao qual disse que aceitaria liderar a lista para as eleições legislativas de 2 de dezembro. Boa escolha: a vitória do Rússia Unida seria esmagadora na medida em que a oposição tornou-se, durante o governo de Putin, surda, muda, maneta e perneta.

O presidente que o suceder em março simplesmente terá de nomeá-lo primeiro-ministro. Em seguida, Putin, como primeiro-ministro, fará uma reforma da Constituição que facilitará sua volta à presidência quatro anos depois.

Para isso, contudo, será preciso que o futuro presidente tenha uma espinha suficientemente flexível a essa acrobacia. E também nisso Putin parece ter previsto tudo: há um mês, ele surpreendeu o mundo mudando abruptamente o premiê e nomeando o desconhecido Viktor Zubkov.

Esse homem, de 67 anos, é, desde sempre, um aliado de Putin. Ele pertence ao ¿clã de São Petersburgo¿, a cidade de Putin. Segundo Putin, é ¿um homem sério, capaz, eficaz, moderno e dedicado.¿ Enfim, para surpresa geral, mal havia sido nomeado primeiro-ministro, Zubkov deu a entender que concorrerá nas eleições de março.

Zubkov revelou-se, pois, muito superior aos outros protegidos de Putin - como, por exemplo, Serguei Ivanov, atual vice-presidente, que parecia ser o escolhido, mas é talvez um pouco colérico, e, até, que horror, indisciplinado.

Portanto, a peça já está escrita. Em dezembro, Putin leva à vitória o Rússia Unida. Em março, Zubkov é eleito presidente. E a primeira decisão do novo presidente será nomear Putin premiê.

Alguns impertinentes levantam a seguinte questão: ¿Suponhamos que Zubkov, tão amável, se revolte e se recuse a nomear Putin?¿ A resposta foi prontamente fornecida por um jornalista (irônico, talvez). ¿Zubkov que se cuide: um dossiê sobre ele encerrado em algum cofre-forte do Kremlin não custaria a aparecer!¿

É preciso dizer que na Rússia, tanto na dos czares como na de Stalin, existe um senso muito forte de ¿Razão de Estado¿: Catarina, a Grande (1729-1796), estava perdendo os cabelos. Ela convocou então ao Kremlin um cabeleireiro que lhe providenciou um cabelo falso.

O cabeleireiro ficou orgulhoso do seu feito. Infelizmente, logo em seguida, ele foi encarcerado pelo resto da vida numa masmorra porque a czarina não teria gostado nem um pouco se ele saísse tagarelando e contasse aos outros que a czarina usava peruca.