Título: Paralisações tumultuam atendimento no Nordeste
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2007, Vida&, p. A22

Em Salvador, hospitais particulares recusam pacientes pelo SUS; em Fortaleza, médicos pedem piso de R$ 3,4 mil

O primeiro dia da paralisação de atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) promovida por hospitais e clínicas particulares conveniados em Salvador foi de confusão entre os pacientes. Em diversas unidades, pessoas que não sabiam do movimento tiveram dificuldades para conseguir informações. Em Fortaleza, também houve confusão nos hospitais porque médicos, que reivindicam reajuste do piso, pararam.

¿Tive de pagar R$ 30 por um exame que faço mensalmente, de graça¿, disse em Salvador a doméstica aposentada Maria das Graças Santana, de 63 anos. Residente em Feira de Santana, a 110 quilômetros da capital baiana, ela vai a Salvador, de ônibus, só para a visita a uma clínica de endocrinologia.

A paralisação, por tempo indeterminado, teve início na manhã de ontem. A decisão foi tomada na noite anterior, em uma assembléia com os proprietários dos cerca de 300 hospitais e clínicas particulares conveniados ao SUS em Salvador. O protesto teve a adesão de mais de 90% das unidades de saúde, segundo a Associação dos Hospitais e Serviços de Saúde da Bahia (Ahseb). Segundo o governo do Estado, a paralisação foi de metade das unidades. Hospitais públicos e filantrópicos mantêm atendimento.

A prefeitura havia pedido um prazo de 15 dias para tentar atender às reivindicações dos empresários - a principal é o aumento do teto do número de atendimentos pelo SUS por clínica, rebaixado pela prefeitura em maio.

As justificativas da administração municipal para a mudança foram a readequação financeira dos repasses das verbas do SUS e a tentativa de desestimular o atendimento na capital de pacientes de outros municípios. De acordo com os proprietários das unidades, o novo teto reduziu em 25%, em média, o repasse de recursos do SUS aos hospitais e clínicas.

O secretário estadual da Saúde, Jorge Solla, reagiu à paralisação com ameaça. ¿Com a atitude, os empresários podem estar dando aval para a prefeitura elaborar um processo de descredenciamento de várias clínicas da cidade¿, avisa. ¿O atendimento que elas prestam pode ser amplamente coberto pela rede pública.¿

Segundo dados da Ahseb, porém, os hospitais e as clínicas particulares respondem por cerca de 10 mil atendimentos diários pelo SUS - em áreas como ortopedia, mais de 90% dos atendimentos do SUS na capital baiana são feitos pela rede privada credenciada.

DESESPERO

A aposentada Francisca Menezes Costa, de 60 anos, desesperou-se ontem, no primeiro dia da greve dos médicos em Fortaleza. Ela foi até o hospital Gonzaga Mota, de Messejana, na periferia da cidade, para trocar o gesso que imobilizava seu braço direito havia um mês. Como não foi atendida, revoltou-se e ela mesma, aos gritos, retirou com a mão esquerda o gesso, no pátio do hospital.

Francisca foi uma das milhares de pessoas que ficaram sem atendimento por causa da paralisação dos médicos. Eles reivindicam um piso salarial de R$ 3,4 mil por 20 horas semanais. A prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), oferece R$ 1,7 mil com gatilhos anuais de 20% até chegar aos R$ 3,4 mil.

Há 1,9 mil médicos parados, que só atendem a casos de emergência. A triagem acontece nos hospitais e postos de saúde, que ontem só atenderam quem estava com fratura exposta, dores abdominais e crises de asma. Consultas, exames e demais atendimentos não foram feitos. Os pacientes que compareceram às unidades voltaram para casa.

Teve gente que veio de longe. Foi o caso de Cândida de Freitas, de 85 anos. Ela está com pinos na perna esquerda após uma fratura há dois meses. Veio de Icó, a 450 quilômetros de Fortaleza, para retirar os pinos e voltou para sua cidade sem atendimento.

Os médicos fazem uma assembléia hoje para decidir os rumos do movimento. A princípio a paralisação é de 48 horas.