Título: Novo livro didático é questionado
Autor: Cafardo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2007, Vida&, p. A23

Obra da Editora Moderna, campeã em vendas para 2008, ensina que marca do governo Lula é combate à fome

A coleção História - Projeto Araribá, da Editora Moderna, será o livro mais usado nas escolas públicas do País na disciplina a partir de 2008, ganhando o posto que era do polêmico Nova História Crítica até este ano. Mais de 5,6 milhões de exemplares foram comprados pelo Ministério da Educação (MEC) para turmas da 5ª à 8ª séries. O livro tem linguagem menos coloquial que o anterior e foi elaborado por um grupo de autores. Ao falar da história recente, informa que ¿o combate à fome é o principal objetivo do governo Lula¿ e que ¿uma habilidosa propaganda política¿ transformou Fernando Henrique no ¿pai do Real¿.

O custo dos livros para o governo federal foi de R$ 25 milhões. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do MEC, avalia novas obras e faz compras a cada três anos. Portanto, História - Projeto Araribá ficará nas escolas durante todo esse período. O processo de avaliação é feito externamente ao MEC, e os livros são escolhidos pelo próprio professor da escola pública. O governo centraliza a compra das obras (veja quadro ao lado).

O ministro da Educação, Fernando Haddad, não quis comentar ontem o livro campeão de vendas. E reclamou de ¿tentativas de querer associar a suposta ideologia do livro à gestão atual do ministério¿. ¿Nenhum servidor participa da elaboração do catálogo e muito menos da escolha dos livros¿, afirmou.

CARTÃO DO BOLSA FAMÍLIA

História - Projeto Araribá é uma coleção recente, de 2006, que tem uma concepção diferente, em que não apenas um único autor é responsável pelo conteúdo. O livro é ilustrado com fotos, uma delas com um outdoor da campanha do Fome Zero. Há também uma reprodução de um cartão do Bolsa-Família.

O programa do governo Lula é apresentado como motivo de discussões porque ajuda financeiramente os pobres, mas pode não atingir ¿a raiz da pobreza¿. ¿Esse livro é muito diferente do outro (Nova História Crítica) e não acho que haja exageros¿, diz a educadora da Universidade de São Paulo (USP) Silvia Colello. Para ela, a coleção fala dos dois governos de maneira equilibrada.

O capítulo O Brasil na nova ordem mundial começa com a volta das eleições diretas, em 1989, e a vitória de Fernando Collor de Mello. Ao falar do governo FHC, destaca que o desemprego cresceu, mas houve um significativo aumento do número de crianças nas escolas. Diz ainda que Lula seguiu a política econômica de seu antecessor e que, no terreno político, ¿o governo foi abalado pelas denúncias de corrupção¿.

¿Em história, não se pode falar de ontem¿, alerta o historiador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Antonio Villa. Ele critica o fato de a coleção conter um texto que ocupa duas páginas sobre o Fome Zero. ¿As bases fundamentais para a construção da análise histórica precisam de tempo. São necessários fortes documentos, história oral, entre outros, para a formação do conhecimento¿, completa. Para ele, os governos FHC e Lula deveriam apenas ser rapidamente mencionados no livro.

Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Francisco Soares, a história é uma disciplina que pode ter diversas visões, o que a torna difícil de ser avaliada. Ele lembra que o exame internacional Pisa, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e tido como o mais respeitado no mundo, apenas avalia leitura, matemática e ciências. ¿Não existe um acordo sobre como a história deva ser ensinada¿, diz.

A Editora Moderna, que faz parte do grupo espanhol Santillana, foi a que mais vendeu livros ao governo no PNLD 2008. Foram 36,1 milhões de exemplares, de um total de 128 milhões. Também foi a campeã no programa do livro para escolas de ensino médio, com 7 milhões. O governo pagará à empresa um total de R$ 211 milhões.

Procurada, a editora informou que não se manifestaria sobre o conteúdo dos livros.

COLABOROU LISANDRA PARAGUASSÚ

TRECHOS

¿Uma habilidosa propaganda política transformou o candidato do governo, Fernando Henrique Cardoso, no pai do real¿

¿O combate à fome é o principal objetivo do governo Lula¿

O PROCESSO

Inscrições: Editoras que pretendem participar do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)inscrevem suas coleções no Ministério da Educação (MEC)

Universidades: Instituições federais que queiram participar do processo se apresentam como voluntárias no MEC. Cada uma fica responsável por uma disciplina. A própria universidade chama professores de várias partes do País para avaliar os livros

Avaliação: Dois professores analisam o conteúdo de cada coleção separadamente. Os livros são enviados sem capa ou qualquer outra identificação do autor ou da editora. Se há pareceres positivos, a coleção é recomendada para ser incluída no guia do livro didático, que será enviado às escolas. Em caso negativo, o material não é incluído

Guia: Cada coleção de livros recomendada é descrita no guia, com destaque para pontos fortes e fracos. Os manuais são enviados às escolas públicas do País para o período de escolha dos professores. Neste ano, havia 19 obras de História entre as opções que poderiam ser usadas em sala de aula

Escolha: Os professores optam pelo livro que pretendem usar e a informação é enviada ao MEC. O governo então faz compra para todas as escolas. Em 2007, o orçamento do PNLD foi de R$ 620 milhões