Título: O consumidor e a inflação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2007, Notas & Informações, p. A3

A recente alta da inflação mexeu com o estado de ânimo dos brasileiros, segundo pesquisa divulgada na sexta-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A meta oficial deste ano e do próximo, 4,5%, será atingida, quase certamente, com alguma folga, mas a sondagem mostrou pelo menos um sinal de alerta: de acordo com 55% dos entrevistados, o aumento de preços será mais acentuado nos próximos seis meses. Foi o maior porcentual desde março de 2005.

O desconforto causado pela inflação não foi suficiente para criar pessimismo. O quadro geral da economia brasileira continua satisfatório. A maior parte dos entrevistados continua mostrando boa disposição e não pretende reduzir o consumo. É uma boa notícia tanto para as empresas quanto para o governo. Mas a sensibilidade à elevação dos preços, mesmo num cenário de inflação ainda benigno, é mais um sinal digno de ser levado em conta.

Dois importantes alertas desse tipo soaram nas últimas duas semanas. Um deles partiu do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em seu boletim trimestral de conjuntura. O outro, do Banco Central (BC). Nenhuma das duas instituições foi alarmista, mas ambas chamaram a atenção, em suas análises, para a tendência de aceleração dos preços.

Neste ano e no próximo, segundo o BC e o Ipea, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá manter-se em nível aceitável, se não houver uma grande surpresa. O problema importante é a tendência identificada pelos analistas. Se nada for feito, os aumentos de preços continuarão a ganhar impulso e poderão chegar a cerca de 5% em 2009 ou 2010.

Quanto maior a demora em agir, maior o risco de agravamento do problema e mais custoso será o tratamento. A providência indicada tanto pelo BC quanto pelo Ipea é a contenção do gasto público. Se isso for feito, um novo aperto dos juros será provavelmente evitável.

A percepção da inflação é só um dos itens levados em conta na pesquisa, mas nenhum outro teve uma variação negativa tão grande em três meses. Em setembro, o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor, formado pela combinação dos vários itens, situou-se em 104,8 pontos, 1,2% abaixo do registrado em junho e 5,2% abaixo do apurado um ano antes.

A disposição geral do consumidor ainda é positiva, porque permanece acima de 100, mas a percepção de problemas novos é indicada com suficiente clareza. A maior parte da população é especialmente sensível aos preços dos alimentos. As maiores altas nos últimos meses foram as desses preços.

Durante anos, a evolução desse custo foi favorável às famílias de renda baixa. Puderam diversificar e melhorar sua dieta e ainda lhes sobrou mais dinheiro para consumir outros bens e serviços. A reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveu-se em parte a essa elevação do consumo.

O dado mais curioso da pesquisa é a avaliação do mercado de trabalho. Os entrevistados mostraram maior pessimismo quanto à evolução do emprego em geral (queda de 1,8% no índice) e maior otimismo quanto às possibilidades de conservação do próprio emprego (alta de 2,8%). Mas foram ligeiramente pessimistas ao falar tanto da evolução da renda em geral quanto das perspectivas da própria renda. São dados um pouco intrigantes, porque as possibilidades de contratação e de ganhos normalmente melhoram nesta época do ano.

De modo geral, no entanto, as expectativas do consumidor permanecem positivas. A avaliação global das perspectivas para o ano melhorou desde o trimestre anterior e o indicador de satisfação com a vida continuou elevado, praticamente sem variação: 70% disseram estar satisfeitos e 9% muito satisfeitos. Mesmo os consumidores com educação até a quarta série fundamental, em geral menos abonados, mostraram estar de bem com a vida: 67% indicaram satisfação e 8%, muita satisfação. Nos outros níveis educacionais, o estado de espírito revelado foi ainda melhor.

Apesar da expectativa de maior inflação, a maioria dos consumidores continuará indo às compras neste trimestre: 49% deverão manter o nível de gastos e 23% deverão aumentá-lo, segundo as declarações dos entrevistados. Se o governo tiver o bom senso de conter seus gastos, especialmente os correntes, produção e consumo poderão continuar crescendo com segurança.