Título: MEC perdeu R$ 72 bilhões em 12 anos por causa da DRU
Autor: Iwasso, Simone e Cafardo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2007, Vida&, p. A20

Mecanismo criado em 1994 permite ao governo usar 20% da receita como quiser

Em valores corrigidos pela inflação, nos últimos 12 anos o País deixou de investir R$ 72 bilhões no financiamento da educação pública por causa da Desvinculação das Receitas da União (DRU). O mecanismo foi criado em 1994 e permite ao governo usar da maneira como quiser até 20% do total de impostos arrecadados pela União. Apenas de 2000 a 2007, foram R$ 45,8 bilhões perdidos pelo Ministério da Educação (MEC).

Os valores foram calculados a partir de dados do Orçamento e vieram à tona com a movimentação de organizações sociais que pedem o fim da incidência desse recurso na verba educacional. A Constituição prevê que 18% do valor total arrecadado com impostos federais deve ser aplicado exclusivamente em educação. O problema é que, desde a criação da DRU, esse montante passou a ser calculado após a retirada dos 20%, o que reduz o bolo total de recursos e, conseqüentemente, o valor final repassado para o setor - que acaba ficando em torno de 13%, em vez dos 18%.

Neste ano, por exemplo, MEC deixou de receber R$ 7,1 bilhões. Ou seja, em vez dos R$ 20,9 bilhões que deveria receber, chegaram apenas R$ 13, 8 bilhões. A projeção para o ano que vem é que essa perda continue e fique em torno de R$ 7,7 bilhões.

A briga gira em torno da votação no Congresso da emenda constitucional enviada pelo Executivo que prorroga a DRU até 2011. A emenda é a mesma que garante a continuidade da CPMF. Anexado à ela, há um projeto, de autoria do deputado Rogério Marinho (PSB-RN), que propõe a volta progressiva da vinculação, nos próximos quatro anos, dos recursos da DRU para a Educação. A incidência do mecanismo sobre a receita do ensino público sairia dos atuais 20% para 15% em 2008, 10% em 2009, 5% em 2010 e zero em 2011. Tomando como base valores atuais, seriam pelo menos R$ 17 bilhões a mais nos próximos quatro anos, que deveriam ser investidos especificamente na educação básica. Atualmente, esse dinheiro é usado para fazer superávit ou para pagamento de juros pelo governo.

¿A educação é um conceito retórico, todo mundo diz que apóia, mas não acabam com essa desvinculação¿, diz Marinho. Para ele, sem o fim da DRU será impossível atingir a meta determinada pelo governo federal para 2022, quando as escolas brasileiras deveriam chegar a níveis de qualidade próximos aos dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Isso porque o País precisaria aumentar muito sua parcela do PIB investida na educação básica, atualmente em 3%. Na semana passada, o deputado não tinha mais quase esperanças de aprovar seu projeto na Câmara, mas já se movimentava para uma possível vitória no Senado.

CONSENSO

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o conselho dos secretários municipais e estaduais da Educação (Consed e Undime), o movimento de empresários Todos pela Educação, o Conselho Nacional de Educação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, além do movimento estudantil, organizações não-governamentais e sindicatos têm promovido debates em várias esferas para dar visibilidade ao tema. O próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, já se manifestou favorável ao fim da DRU no orçamento do ministério.

¿Num momento em que o governo federal tem colocado que a educação é prioridade, que temos um plano educacional em andamento, e que todos sabem das deficiências do País na área, não faz sentido retirar recursos que por lei são garantidos à educação pública¿, afirma Cleuza Rodrigues, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

¿O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) é maravilhoso, mas ele precisa de combustível¿, diz o diretor executivo do Movimento Todos Pela Educação, Mozart Neves. Ele se refere ao plano lançado neste ano por Haddad que prevê metas e mais investimentos na educação infantil, fundamental e média.

Segundo Cleuza, mesmo não beneficiando diretamente os municípios, já que os recursos não seriam repassados, todas as redes ganhariam. ¿Um exemplo é a educação infantil, onde ainda há muita carência de vagas e de infra-estrutura. Esse dinheiro poderia ser investido também nisso¿, afirma.

Para a presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), Maria Auxiliadora Seabra, a incidência da DRU na educação não se justifica no momento atual. ¿O Brasil tem um índice muito baixo de investimento per capita na educação básica. No ensino superior, por mais que esteja longe do ideal, o financiamento ainda é melhor. Mas na básica, que é onde ainda temos resultados muito ruins, é muito reduzido¿, afirma.

De acordo com o relatório da OCDE divulgado no mês passado, o País gasta US$ 1.159 por aluno do ensino fundamental, valor mais alto apenas que o registrado na Turquia. Seabra também chama atenção para a forma como a DRU é calculada. ¿Do jeito que é feito acaba-se retirando mais do que os 20%. A educação acaba perdendo 33%¿, diz.

O cálculo acontece porque, do montante de impostos arrecadados pela União no ano, o governo retira 20%. Esse dinheiro é então remanejado como o Executivo achar melhor. Do que resta, são tirados os 18% garantidos pela legislação à Manutenção e Desenvolvimento da Educação.

PERDAS

R$ 45,8 bilhões deixaram de ser investidos pelo MEC por causa do mecanismo federal só entre 2000 e 2007

13% dos recursos da União é o que acaba recebendo a educação por causa da DRU. Deveriam ser 18%, mas a desvinculação acaba diminuindo a verba da qual o índice seria calculado R$ 20,9 bilhões deveriam ter sido recebidos pelo MEC neste ano, mas orçamento do órgão acabou ficando em R$ 13 bilhões

15% da receita federal poderia ser desvinculada em 2008, 10% em 2009, 5% em 2010, segundo projeto que pretede acabar com a DRU em 2011