Título: O momento é de cautela ou de otimismo?
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2007, Economia, p. B2
Mais insondável do que o mistério sobre quem matou Taís (já resolvido) era o que inquietava os economistas na semana passada sobre como se comportará a inflação daqui para o final do ano ou como o Comitê de Política Monetária (Copom) administrará a Selic ou, ainda, que espécie de impulso ou de paulada a economia brasileira pode esperar da economia internacional no ano que vem.
A diferença entre esses dois tipos de mistérios é que no da novela o seu autor o desvenda no capítulo final e sofre ovações ou vaias de uns e de outros, conforme o gosto dos telespectadores. Já o mistério sobre os rumos das finanças e da economia jamais é desvendado. A incerteza é o seu nome e, como num cassino, nesse estranho mundo, os jogadores, investidores ou meros operadores só sabem se ganharam ou perderam quando saem dele. Para quem continua no jogo a conta nunca fecha. Não é como numa empresa bem-sucedida, onde o empresário sabe se está tendo lucro ou não e de quanto é esse lucro.
E, já que começamos nos referindo a um mistério televisivo, vamos agora consultar os universitários a respeito dos mistérios econômicos do momento, como se faz em alguns programas.
Os universitários do Banco Central (BC), por exemplo, se mostram um tanto quanto preocupados, enquanto os universitários do Ministério da Fazenda - que não são os mesmos nem têm as mesmas funções - se mostram bem mais despreocupados.
Segundo o Relatório de Inflação, do BC, que sai de três em três meses, a que se projeta para este ano e para 2008 está abaixo da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Assim, para este ano é projetada uma inflação de 4% e para o ano que vem, de 4,2% - ambas abaixo da meta de 4,5% -, desde que mantida em 11,25% ao ano a taxa Selic e o dólar fique em torno de R$ 1,95. Então, aparentemente, tudo vai bem no quartel de Abrantes.
O problema é aquele 'desde que...'
Não há um só economista no mundo que arrisque fazer uma projeção, ou mencionar projeção feita por outros, sem acrescentar o 'desde que...'.
Aí, dentro das aspas do 'desde que...', entram as hipóteses, e, conforme quem as formula, o fiel pende para a cautela, às vezes excessiva, ou para o otimismo, às vezes imprudente.
A cautela dos universitários do BC é bem visível de um dos lados da gangorra. Para eles, o ritmo de expansão da demanda doméstica 'ainda não reflete a totalidade do estímulo monetário injetado na economia'. Em linguagem cristã, isso aí significa que o consumo das famílias ainda não avançou tanto quanto poderia em resposta às benesses do governo (majoração do salário mínimo, Bolsa-Família, aumento do funcionalismo, aumento e barateamento do crédito, etc., além da paulatina redução da Selic). Ou seja, há um potencial de maior aumento do consumo no horizonte. E isso, na opinião deles, 'coloca riscos não desprezíveis para a dinâmica inflacionária'. Traduzindo de novo: a inflação pode aumentar mais à frente.
Como o BC e o Copom trabalham pensando na inflação futura, isso aí já seria um sinal, ou uma dica, de que as autoridades monetárias estariam pensando em frear a política de redução da Selic, que, desde setembro de 2005, diminuiu 8,5 pontos porcentuais para o atual nível de 11,25% ao ano.
O relatório do BC ainda enfatiza o fato de que a demanda está sendo puxada também pelo aumento do emprego e da renda, por sua vez impulsionados pelo aumento dos investimentos privados, brasileiros e estrangeiros. Ou seja, o bom desempenho da economia pode trazer problemas.
Os universitários do Ministério da Fazenda, certamente, leram as entrelinhas do relatório do BC, e como, depois da saída de Antonio Palocci, parecem ter aderido à corrente desenvolvimentista, agora muito do agrado do presidente Lula que planeja rica safra de vitórias eleitorais municipais em 2008 - para aplastar de vez o tucanato e comandar confortavelmente sua sucessão -, devem ter-se sentido incomodados com a possibilidade de o Copom retornar à ortodoxia rigorosa que já exibiu anteriormente, freando a economia. Mas não fizeram nenhum contra-relatório. Preferiram veicular suas opiniões pela, principalmente, coluna de Claudia Safatle no Valor. Ali dizem o que acham: que há espaço para que o Copom promova mais duas reduções da Selic até o final do ano, baixando-a para 10,75% ao ano.
Argumentam que o crescimento do consumo, que preocupa o BC, não é muito disseminado, concentra-se em alguns setores ou atividades, como os serviços pessoais. Além disso, não haveria grande risco de inflação puxada pela defasagem entre produção e demanda, porque os investimentos estão aumentando (o que é verdade) e, conseqüentemente, aumentará a oferta. E, na área de produtos de consumo de origem industrial, os importados estariam dando conta do recado de manter os preços estáveis (o que é menos verdade).
Há um argumento um tanto esdrúxulo entre os universitários do Ministério. O de que o aumento dos preços dos alimentos (que é um fator inflacionário) consumiria uma parcela maior da renda disponível das famílias, deixando, assim, menos dinheiro para o consumo e, portanto, refreando a demanda (e a inflação). Isso é o que se chamaria, vulgarmente, de procurar pêlo em ovo...
Mas o fato de o BC ter deixado de intervir no mercado cambial na semana passada, aceitando que o real se valorizasse de novo, pode ter sido um sinal também de que a preocupação das autoridades monetárias é ainda mais intensa do que sugere o Relatório de Inflação, uma vez que a valorização do real é sabidamente um instrumento 'oficioso' de contenção de tendência inflacionária, por alavancar as importações de produtos mais baratos.
Responda, leitor: estão certos os universitários do BC ou os do Ministério da Fazenda? Que tal uma ajudazinha do Silvio Santos?