Título: Cana na floresta cria mal-estar entre ministros
Autor: Salvador, Fabíola
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2007, Economia, p. B8
Nova briga entre ministérios de Meio Ambiente e Agricultura envolve plantação de cana na Amazônia
Depois dos transgênicos, a polêmica envolvendo a autorização para plantio de cana-de-açúcar na Amazônia será o novo embate entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, que têm, obviamente, posições contrárias sobre o assunto. Na semana passada, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, reafirmou que o plantio na região deverá ser permitido e incentivado em áreas já degradadas ou devastadas, o que provocou uma reação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que ligou para Stephanes.
Na conversa, ela 'confirmou e reafirmou' que o governo não vai estimular o plantio que resulte direta ou indiretamente em desmatamento da Amazônia, contou o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco.
A polêmica extrapolou os gabinetes e chegou ao Congresso Nacional. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), integrante da chamada bancada ruralista, acusou a ministra de desrespeitar a Constituição Federal. 'Os produtores têm livre-arbítrio. Não tem cabimento impor restrição ao plantio em áreas degradadas. É inconstitucional.'
Já o deputado Ivan Valente (PSol-SP) acredita que autorizar o plantio, com ou sem incentivo, é um 'erro crasso'. 'Autorizar o plantio é atentar contra o interesse público de preservação da floresta', comentou. O deputado discorda da proposta do ministro de autorizar a instalação de canaviais apenas em áreas degradadas. 'Primeiro (os agricultores) vão degradar e depois plantar cana. A lei permite', ironizou.
Para o senador Jonas Pinheiro (DEM-MT), que também faz parte da tropa de choque dos ruralistas no Congresso, se a ministra mantiver uma 'posição radical' sobre o tema, o Mato Grosso estará condenado. 'A posição de não plantar representa um atraso para a economia do Estado', afirmou. Grande produtor nacional de grãos, o Mato Grosso é acusado por grupos ambientais internacionais de desmatar a Amazônia para plantar soja. O senador disse que não vê problemas em permitir a instalação dos canaviais em áreas desmatadas da Amazônia. 'Elas já foram desmatadas, então porquê não ocupá-las?'
Para Ivan Valente, o plantio de cana é 'degradante e predatório'. Ele lembrou que os subprodutos do processo de produção de açúcar e álcool, entre eles o vinhoto - resíduo poluente que sobra após a destilação da cana, são altamente nocivos ao meio ambiente. 'Além disso, a queimada da cana representa um desastre para a Amazônia', afirmou.
O deputado Chico Alencar (PSol-RJ), que integra a Frente Parlamentar Ambientalista, lamentou a proposta de Stephanes e criticou o que ele chamou de 'absolutização do agronegócio'. 'Em nome da rentabilidade do agronegócio e dos biocombustíveis, pode-se fazer tudo, inclusive abandonar o princípio da precaução', disse.
Os deputados do PSol sinalizaram temer que o Ministério do Meio Ambiente seja perdedor nesse embate. Valente avaliou que o ministério tem sido 'frouxo' e citou que a autorização para que empresas privadas explorem florestas públicas é 'uma maneira de acelerar o desmatamento'. A primeira concessão foi dada no mês passado para uma empresa de Rondônia. 'O Meio Ambiente sempre perde', resumiu Alencar.
Além da questão da exploração das florestas, ele lembrou que a ministra também foi resistente quando o assunto era a liberação de transgênicos e a transposição do Rio são Francisco. 'O Meio Ambiente resiste, mas acaba cedendo. Temo que o papel do ministério seja apenas simbólico; que não tenha força política.'
FRASES
Kátia Abreu Senadora (DEM-TO)
'O produtor tem livre-arbítrio. Não tem cabimento impor restrições ao plantio da cana'
Chico Alencar Deputado (PSol-RJ)
'Em nome do agronegócio pode-se fazer tudo, inclusive abandonar o princípio da precaução'