Título: Um tapa depois do outro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2007, Notas & Informações, p. A3
Foi um ¿tapa na cara da opinião pública¿, conforme o senador Cristovam Buarque, do PDT do Distrito Federal, a decisão do presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha, do PMDB do Tocantins, de designar o mais sabujo dos renanzistas, o sergipano Almeida Lima, do mesmo partido, relator dos dois processos mais substanciais contra o presidente da Casa, Renan Calheiros. Sob pressão dos seus pares, que ainda tentam salvar o pouco que porventura ainda reste do respeito da sociedade pelo Senado, ele desistiu de unificar tais ações, com o que Almeida Lima só relatará uma delas. (O zeloso parlamentar ameaçou dar não um tapa, mas ¿um sapatão¿ na cara de quem duvidar de sua idoneidade.) Mas o astuto senador Quintanilha já prepara outro tapa nas faces dos brasileiros decentes ao prolongar por mais 30 dias o prazo para os relatores apresentarem seus relatórios, com a possibilidade de novo prolongamento que, se ocorrer, lançará a votação dos processos para 2008. E Quintanilha fez questão de desimpedir o caminho para o novo golpe.
¿Não há garantia nenhuma de que vamos terminar neste ano¿, admitiu candidamente o senador, guindado ao cargo por Calheiros, embora responda a um processo por corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele já manteve o Conselho inativo por quase um mês, até esta semana. Agora, lava as mãos. ¿Vai depender dos relatores. Se eles pedirem mais tempo, vou conceder¿, adianta. Na realidade, não há garantia nenhuma de que Renan Calheiros possa ser compelido a deixar antes da hora a função que exerce, pela segunda vez na Casa, até o início do ano legislativo de 2009. E muito menos há alguma garantia de que ele venha a ser despojado do mandato por ofensa ao decoro parlamentar - embora haja não indícios, mas gritantes evidências de que o decoro foi ofendido.
Ante o escândalo que foi a escolha de Lima - seguido da não menos acintosa chicana de empurrar o desfecho das ações para perto do Dia de São Nunca -, a gente chega a esquecer da indignação que provocou a absolvição do político alagoano na sessão plenária secreta que julgou o espetaculoso caso do lobista que pagava a ex-amante do senador, a qual com ele divide o espaço no noticiário, como a pin-up do mês. O segundo processo, outro que se arrasta indefinidamente, deverá morrer no Conselho. Trata da acusação de que o senador teria praticado tráfico de influência em favor da Schincariol junto à Receita Federal e ao INSS, depois de a empresa pagar R$ 27 milhões por uma fábrica de refrigerantes do seu irmão Olavo, deputado federal. O relator da denúncia, o petista João Pedro, do Amazonas, que deveria ler seu relatório anteontem, agora diz aguardar ¿algumas informações solicitadas¿ para redigir o seu parecer em novembro. O mais provável é o arquivamento do caso.
Os processos, cuja tramitação se deseja estender para que, afinal, não produzam os efeitos que deles os brasileiros têm carradas de razões para esperar, envolvem questões de indisfarçável gravidade. No primeiro, Calheiros é acusado de ter adquirido em Alagoas, em nome de laranjas, duas emissoras de rádio e um jornal. O acusador é ninguém menos do que o seu então sócio, o notório usineiro João Lyra. (Hoje eles se odeiam.) No segundo, a acusação é de capitanear um esquema de extração de propinas em Ministérios da cota do PMDB. Para o caso dos negócios alaranjados, a estratégia dos renanzistas será a de invocar o precedente do senador Gim Argello, do PTB do Distrito Federal. Suplente de outro figurão do bas-fond da política nacional, o senador Joaquim Roriz, que renunciou para não ser cassado, beneficiou-se, ao assumir, da decisão da Mesa de engavetar as denúncias contra ele porque se referiam a fatos anteriores à sua chegada ao Senado. À época da sua parceria com Lyra, 1998, Calheiros já era senador, embora não ainda presidente da Casa. A nuance é outro tapa.
Um a mais e decerto não o derradeiro. Para a patota da impunidade, o que dela pensa - e por ela sente - a opinião pública é uma clamorosa irrelevância. Tome-se o caso do espalhafatoso renanzista Wellington Salgado, do PMDB mineiro, que outro dia se auto-intitulou ¿franciscano que pede uma sandália¿, numa gozação explícita aos brasileiros que se enojam com essa pornochanchada. O STF iniciou procedimento criminal contra ele por sonegação de R$ 4,1 milhões de Imposto de Renda.